São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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'Trabalho se torna menos braçal e mais mental'

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma mudança dramática e irreversível, que começou a dar sinais nos anos 60, pulsa com intensidade neste fim de século. Há mais cabeça do que força física atuando nas empresas.
"O trabalho está se tornando menos braçal e muito mais mental", afirma o escritor norte-americano Alvin Toffler, 66, um especialista em futuro, autor dos best sellers "A Terceira Onda" e "Choque do Futuro".
"Quarenta e cinco por cento dos empregados norte-americanos já utilizam microcomputadores e 25% da população possui um em casa", disse Toffler à Folha, em
recente visita ao Rio.
"Isso altera a natureza do trabalho, que se torna cada vez mais baseado em processos mentais e no conhecimento, fonte inesgotável de criação de riqueza."
Nos EUA, serviços e atividades supersimbólicas, como programação de computadores e operações financeiras, envolvem atualmente 3/4 da força de trabalho.
Toffler afirma que mesmo as operações intermediárias, que ainda exigem manipulação física, estão usando cada vez mais o conhecimento e subindo no espectro do trabalho intelectual.
Nas indústrias que ainda utilizam mão-de-obra intensiva, máquinas informatizadas e onde os círculos de qualidade mudaram radicalmente os hábitos em busca de produtividade, os operários são estimulados a agir com criatividade.
"A grande transição se reflete globalmente no fato surpreendente de que as exportações mundiais de serviços e 'propriedade intelectual' equivalem agora às de aparelhos
eletrônicos e automóveis; alimentos e combustíveis", escreveu Alvin Toffler em "Criando uma Nova Civilização" -livro ainda inédito no Brasil.
Para calcular as transformações, o autor se vale de pesquisas e entrevistas, além de experiências pessoais. Na juventude ele pegou pesado no batente -o suficiente para abominar o trabalho numa linha de montagem automobilística em Ohio (meio-oeste dos EUA).
"Como operário, minha tarefa era produzir o máximo de peças idênticas. Vivia-se sob a lógica daprodução em escala com tecnologia estúpida: parar as máquinas para trocar moldes significava prejuízos e perda de tempo", conta.
"Ali estavam pessoas inteligentes, mas o patrão não tinha interesse em nossas opiniões." A educação em massa, de estilo fabril, preparava os trabalhadores para tarefas meramente repetitivas. Era a fase, simbolizada pelo relógio de ponto, em que a força física predominava no chão da fábrica.
Hoje, times que usam força física vêm sendo substituídos por equipes menores e diferenciadas. "A velha idéia de que maior é necessariamente melhor está cada vez mais fora de moda."
Segundo Toffler, mesmo as grandes indústrias automobilísticas estão se descentralizando em unidades menores. "Está mudando a escala das operações. As estruturas não são mais monolíticas."
Toffler afirma que as organizações que marcaram a era industrial, por ele denominada de "segunda onda", eram marcadamente burocráticas, segundo a concepção dada por Max Weber (1864-1920), o sociólogo alemão que esmiuçou as engrenagens do capitalismo.
"Weber definia a burocracia como dominação através do conhecimento. As empresas eram divididas por departamentos compartimentados, que enviavam as informações para o centro do poder, de onde emanavam as decisões."
A disseminação dos computadores, segundo ele, exerceu influência decisiva para consolidar as mudanças organizacionais. Até 1975, grandes máquinas ainda eram con
troladas pelos analistas de dados.
"Quando os micros explodiram foram apontados como uma ameaça ao poder dos chefões. 'Isso ainda vai gerar uma anarquia', diziam. O passo seguinte foi conectar às redes e dividir empresas empequenas unidades de negócios."
Algumas companhias deram um passo adiante e agora mergulham na organização virtual. Ou seja, contratam serviços de empresas menores de alta tecnologia para desenvolver suas atividades "mais rápido, melhor e mais barato".
Nesse mundo novo os tradicionais conceitos se tornaram obsoletos. "Em vez de ficarmos presos às velhas classificações precisamos perguntar às pessoas nas em presas o que elas realmente fazem para criar valor agregado."
"Quando fizermos essa pergunta, descobriremos que boa parte do trabalho consiste em processamento simbólico ou trabalho intelectual", afirma o futurólogo.
Enquadram-se nessa classificação tanto analistas financeiros como arquivistas. "Embora suas funções sejam obviamente diferentes e envolvam níveis desiguais de
abstração, ambos -e milhões como eles- não fazem nada além degerar mais informações", afirma Toffler. "É um trabalho totalmente simbólico."

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