São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Vôo do mau-mau

SÍLVIO LANCELLOTTI

Por uma dessas coincidências de antologia, na última segunda-feira, rumo ao oeste do país, tomei o mesmo avião que carregava a delegação do Corinthians. A bordo, pude testemunhar dois fatos. Primeiro, o bom humor geral do elenco, agora dirigido por Eduardo Amorim. Segundo, o inacreditável sacrifício que espreita um clube de futebol emaranhado na ridicularia dos calendários do Brasil.
No sábado anterior, o Corinthians havia enfrentado o Rio Branco de Americana, pelo Campeonato Paulista. No domingo, raridade, seu elenco descansou. Na segunda, madrugou para comparecer ao aeroporto de Cumbica, antes das 8h da matina. Daí, atravessou meia América do Sul em cerca de oito horas exaustivas.
Os atletas se divertiram brincando de mau-mau, um jogo de cartas em que o arqueiro Ronaldo se destaca como um imbatível campeão.
Mário Travaglini, o sólido supervisor, porém, lamentava desconhecer o seu adversário, o também Rio Branco do Acre, do vigésimo escalão do futebol do Brasil. O Corinthians ganhou de 3 x 0 -como poderia ter vencido de dez.
Pior seria a viagem de retorno, em plena noite, num pinga-pinga infernal de escalas através da Amazônia e do Pantanal. Tudo isso por causa de um torneio patético, chamado Copa do Brasil.
Resultado à parte, a viagem com certeza deu prejuízos ao Corinthians, no caixa e no fôlego dos seus jogadores. Custou ainda uma boa grana aos quatro solitários e ousados "gaviões da fiel" que escoltaram a delegação. Tudo isso na mesma semana em que os principais times da Europa, cada vez mais dentro da modernidade, se uniam na criação de uma liga de verdadeiros campeões.
O contraste é grotesco. No Velho Continente, as federações privilegiam os grandes, aqueles que fazem dinheiro. Os médios e os pequenos também merecem as suas chances de crescer. Antes, contudo, precisam disputar fases e mais fases eliminatórias de depuração. Só alguns poucos sobreviventes têm o direito de atrapalhar a vida dos grandes.
Apesar do passaporte que oferece à Libertadores, a Copa do Brasil não passa de um invento caça-níqueis e caça-votos da CBF. Aliás, a CBF e a Conmebol, entidade que pseudo-organiza o futebol na América do Sul, fingem que imitam a Uefa, bolando campeonatinhos supostamente inspirados naqueles da Europa. Fingem que imitam -com uma competência do século passado.

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