São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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O que mudou não foi Zagallo, mas o futebol

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Sem razão, há um quarto de século pregou-se na testa do atual técnico da seleção o estigma de retranqueiro
Outro dia um amigo revelava-me seu espanto diante das últimas declarações de Zagallo: "O homem mudou muito, não?"
Na verdade, não. Pregou-se na testa de Zagallo o estigma de retranqueiro há um quarto de século, mais por força do estilo do ponta Zagallo que do técnico Zagallo. E, como ponta, menos pelo fato de recuar para ajudar o meio-campo e muito mais pela opacidade de seu jogo prático e eficiente, embora bem dotado de técnica. Isso, numa época em que Canhoteiro seduzia as platéias com suas prestidigitações (raramente reproduzidas em seleções), e Pepe, com suas bombas mortíferas.
Como técnico, o máximo, em termos de retranca, que Zagallo exigia era o recuo do ponta-esquerda para reforçar o trabalho de recuperação da bola no meio-campo. Sobretudo, porque, dirigindo o Botafogo ou a seleção de 70, tinha como centro do jogo a figura de Gérson, cuja área de ação era reduzida ao mínimo, embora tivesse o campo todo ao alcance de seus lançamentos mágicos.
Ora, alguém mais precisaria se desdobrar para que a bola chegasse redondinha à canhota de ouro. Logo, era fundamental fechar o setor com mais um. Que poderia ser Paulo César ou Rivelino, improvisado. Ambos, porém, de alto nível técnico e extremo poder de fogo no ataque.
Basta lembrar que, em 74, na Alemanha, ao perder Clodoaldo, o único cabeça-de-área típico do elenco (ao optar por três goleiros inscritos, Zagalo sacrificou um cabeça-de-área e não um atacante, como de hábito), improvisou no setor um meia de estilo refinado e agressivo: Carpeggiani. E manteve lá na frente meias e atacantes, todos com fome de gol.
Portanto, o que mudou não foi Zagallo, mas sim o futebol, hoje todo ele mais voltado à defesa do que ao ataque.
A propósito, atribui-se à presença de Zagallo na seleção de 58 o advento do 4-3-3 (quatro zagueiros, três meio-campistas e três atacantes). Aliás, ele mesmo crê nisso, embora os historiadores europeus prefiram conferir àquele time a primazia da utilização do 4-2-4.
A bem da verdade, ambos se equivocam. No rigor da análise, nunca existiu o 4-2-4. Nas primeiras décadas do século, era o clássico 2-3-5 que imperava. Com o aparecimento do WM, criou-se o quadrado mágico (formado pela interseção das hastes das duas letras), composto por dois médios e dois meias. A partir daí, nunca mais o meio-campo teve menos de três jogadores, embora a defesa recebesse o recuo de um médio, transformado em quarto-zagueiro. Nasceu, então, em meados de 50, o 4-3-3, posto que o meia ponta-de-lança recuava para buscar a bola, a exemplo de Pelé em sua carreira.
Portanto, o que Zagallo inaugurou como jogador em 58 foi o 4-4-2. Mas um 4-4-2 bem mais ofensivo do que o disseminado pelo mundo hoje em dia.
PS: Isso, para inglês ver, pois, por aqui, desde o início da década de 50, o Fluminense de Telê e o Corinthians de Cláudio já jogavam assim.

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