São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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O papa e o déficit habitacional

JOSÉ LUIZ SCHUCHOVSKI

O tamanho do déficit de moradias vem assustando presidentes da República, ministros, governadores e prefeitos. A maioria tem desviado a questão com a mesma naturalidade que o comandante de um transatlântico foge de uma turbulência.
Para o comandante, a turbulência aparece no radar. Para o governo, os números da habitação surgiam na mesa de um burocrata e seguiam direto para o arquivo de questões insolúveis.
Insolúvel, por quê? Porque era impossível erguer 15 milhões de casas -número que aparecia em alguns levantamentos. Em outros eram 13 milhões ou 12 milhões.
Agora o número mudou. Pesquisa da Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, confirmando estimativa por nós divulgada há mais de um ano, assegura que o déficit emergencial não passa de cinco milhões de moradias. Isso diminui em quase dois terços o tamanho da tarefa.
É um número ainda imenso, mas perdeu, de certa forma, o ar ameaçador. A mais grave carência brasileira tornou-se de repente solucionável -desde que não falte aos governos a soma de disposição, determinação e ousadia.
A conta caiu de cerca de R$ 100 bilhões para qualquer coisa em torno de R$ 30 bilhões.
Os investimentos com escolas, postos de saúde, postos policiais, creches e uma porção de outras obras são necessários.
Mas seriam muito menos necessários se houvesse uma política habitacional consistente. Construindo habitações, é possível fazer a casa-escola, a casa-creche e a casa como posto de saúde. A habitação é o bem básico do homem.
Quem diz isso não é um modesto construtor, mas o sábio papa João Paulo 2º. Ao receber bispos brasileiros no Vaticano, afirmou: "A moradia é a condição essencial para uma vida familiar normal ou para a maior eficácia dos processos de educação das crianças e dos jovens, assim como para a preservação da saúde".
A palavra do papa é um argumento de peso para estimular o esforço de erradicação do ainda enorme déficit habitacional.
Num puxão de orelha aos burocratas embromadores, o papa completa: "Parece ilusório e, ao mesmo tempo, irracional querer investir em educação das crianças através da construção de escolas ou melhorar a saúde do povo, mediante a construção de hospitais, se não houver paralelamente uma política habitacional inteligente".
E dá um croque nas cabeças mal iluminadas dos monetaristas ortodoxos que se especializaram em puxar o freio de mão e ignorar que é pisando no acelerador que se chega a algum lugar.
Aos que cortam verbas para investimentos sociais e elevam taxas de juros, o papa diz: "A moradia não deve ser para os governos um problema de cálculo financeiro, mas um investimento de longo prazo".
Ao que parece, não há mais nada a acrescentar a tanta sabedoria. Devemos agradecer em nome de nossos mais de quatro mil executivos do governo -prefeitos, governadores, ministros e o presidente da República- lição tão densa e oportuna. Não é verdade, excelências?

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