São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Um tesouro da cultura internacional

LEYLA PERRONE-MOISÉS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Erramos: 23/04/95
No artigo "Um tesouro da cultura", da mesma autora, no Mais! de 16.4.95, à pág. 5-12, no primeiro parágrafo, leia-se "de um saber e de um fazer milenares", onde se lê milagres. No segundo parágrafo, leia-se "ensinou literatura medieval e linguística românica", onde se lê romântica, e "no departamento de literatura comparada", onde está escrito apenas "na literatura comparada".
Um tesouro da cultura internacional
No Japão, algumas pessoas são consideradas "tesouros nacionais". São grandes mestres das artes tradicionais, depositários de um saber e de um fazer milagres.
Paul Zumthor (1915-1995), morto este ano em Montreal, era um tesouro internacional. Nascido em Genebra em 1915, Zumthor ensinou literatura medieval e linguística romântica em várias universidades européias e americanas. Medievalista de renome internacional, instalou-se no Canadá em 71, onde prosseguiu sua carreira até a aposentadoria, na literatura comparada da Universidade de Montreal.
Publicou numerosos livros, vários dos quais traduzidos no Brasil. Dentre seus ensaios, destacam-se: "Essai de poétique médiévale" (1972), "Le Masque et la lumière" (1978), "Parler du Moyen Age" (1980), "Introduction à la Poésie Orale" (1983), "La Vie Quotidienne en Hollande au Temps de Rembrandt" (1989) e o monumental "La Mesure du Monde" (1993), que trata da percepção do espaço no Ocidente. Esses livros, traduzidos em muitas línguas, tornaram-se obras de referência para estudiosos de todo o mundo. Sobrepairando às numerosas novidades teóricas das últimas décadas, que ele não menosprezava, seu trabalho se ancorava no profundo conhecimento das raízes das teorias ocidentais, na retórica e na literatura medieval.
Grande viajante universitário, como seus pares da Idade Média, veio várias vezes ao Brasil, a primeira vez como professor convidado da Unicamp, na década de 70, e a última como presidente da Federação Internacional de Línguas e Literaturas Modernas, no Congresso dessa entidade realizado em Brasília em agosto de 1992.
A preocupação que ele manifestava com relação aos problemas sociais e políticos brasileiros não eram as de um simples convidado estrangeiro, mas as de alguém que já tinha uma longa convivência com o país e seus habitantes. Como especialista de literatura oral, interessou-se pela literatura de cordel brasileira, dando impulso ao estudo dessa forma literária e formando aqui novos discípulos.
Zumthor foi mais do que um grande professor universitário. Foi um mestre no sentido pleno da palavra. Suas qualidades mais marcantes eram a vitalidade, o entusiasmo e a cordialidade. Falava muitas línguas e sempre estava aprendendo mais uma. Quando estava concluindo uma de suas obras já tinha, sempre, mais meia dúzia de projetos. Ao saber, recentemente, que estava condenado, pediu ao médico mais cinco semanas para terminar o livro que estava escrevendo e que se chamaria "Babel".
Zumthor sabia aliar sua imensa erudição ao interesse pelas manifestações de vanguarda, com uma vivacidade e um humor que o aproximavam de um outro "tesouro internacional" chamado Roman Jakobson. A convivência com Zumthor trazia a seus próximos mais do que o seu saber, que ele prodigalizava com generosidade e simplicidade.
Como todos os realmente grandes, Zumthor não pontificava, sabia ouvir e, quando solicitado, ensinar sem arrogância. Apesar de circular amplamente no mundo universitário internacional, não era dado a fofocas ou a julgamentos negativos. Estava demasiadamente ocupado com seus projetos para criticar os dos outros. Essa atitude positiva diante do saber era o segredo de sua alegria.
Nos últimos anos, Zumthor escreveu, paralelamente à sua obra teórica, vários livros de ficção e poesia. A aventura de Colombo, cujo momento histórico ele conhecia a fundo, inspirou-lhe dois belos romances: "La Fête des Fous" (1987, premiado em vários países) e "La Traversée" (1991). No ano passado, publicou um volume de contos, "La Porte à Côtè".
A capa do livro traz a foto de uma porta da igreja de Santo Antônio da Paraíba. A primeira história, "Interview", é o relato de um encontro seu com o poeta popular Manoel Severino, na Bahia. O diálogo do erudito europeu com o velho poeta miserável dá toda a medida humana de Zumthor, que sabia das coisas realmente importantes, da vida, do afeto e da morte.

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