São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Índios aceitam lixo atômico

DANIELA ROCHA
ENVIADA ESPECIAL AO NOVO MÉXICO

Uma tribo apache da região central do Novo México, a dos Mescaleros, vai reservar por 40 anos lixo nuclear produzido por 33 companhias americanas, lideradas pela Northern States Power Company, do Estado de Minnesota.
O contrato foi fechado diretamente com as empresas porque o Departamento de Energia americano não tinha dinheiro para o projeto (leia texto na página seguinte).
A decisão de ceder uma área de 2,4 km2 (0.13% da reserva) para depósito de lixo atômico partiu do chefe da tribo, chamado de presidente Wendell Chino.
Em troca, os mescaleros vão receber US$ 250 milhões iniciais e benefícios, como geração de empregos, que vão totalizar US$ 2,3 bilhões só nos quatro primeiros anos do projeto.
Para aprovar a construção do reservatório, o conselho dos mescaleros, formado por dez índios que governam a reserva junto com o presidente, organizou uma eleição em janeiro deste ano.
O resultado surpreendeu os dirigentes: 490 votos contra o reservatório e 362 a favor.
O presidente Chino alegou que o número de eleitores não era representativo. Apresentou uma lista com 700 assinaturas solicitando uma segunda eleição.
Cerca de 80% dos 1.200 eleitores votaram pela construção do reservatório de lixo nuclear, com 593 votos a favor e 372 contra, no resultado divulgado em março.
Em junho de 1996, a reserva termina de fechar o contrato para a licença de construção do reservatório, que deve ser finalizado em 2001 posto em funcionamento.
Segundo Rufina Marie Laws, índia mescalera que lidera o movimento contrário ao lixo nuclear na reserva, os índios foram pressionados a votar a favor. "Muitos foram ameaçados de perder empregos." A própria Laws foi demitida e sofreu ameaças de morte (leia entrevista na página ao lado).
O medo impera. Ninguém quer falar sobre o assunto. "Sou mãe de dois filhos e só posso dizer que depois da construção do reservatório, vou sair da reserva para garantir a segurança da minha família", afirmou uma mescalera de 29 anos que preferiu não se identificar.
Segundo ela, o reservatório será construído em um local batizado de montanha secreta, localizado na região de Três Rios, a noroeste da reserva. "Essa discussão está trazendo muitos problemas para a tribo. Minha família se dividiu. Do lado materno, todos são contrários, e, do lado paterno, são favoráveis. Estou no meio disso, mas no fundo também sou contra."
Sua amiga, Kaye Enjady, 26, que trabalha no departamento mescalero de combate ao fogo na floresta, disse que é favorável à construção do reservatório.
"Muitas pessoas vão se beneficiar com isso, principalmente nossas crianças, que vão ter mais escolas com a entrada de recursos, disse. Enjady afirmou não temer um acidente com o material nuclear, mas disse não entender bem do que se trata o reservatório.
O presidente da tribo, Wendell Chino, ameaçou a reportagem da Folha ao ser questionado sobre a construção da reserva. "Não tenho nada a dizer e se você me fizer mais uma pergunta chamo a polícia", disse em seu escritório, no prédio da administração da tribo.
Chino é um homem baixo, tem cerca de 70 anos e aparência de empresário texano, com enorme fivela no cinto combinando com a fivela do cordão que fechava o colarinho de sua camisa branca, além de ostentar anéis de ouro em ambas as mãos. Sempre com o cenho cerrado, até sua secretária fica cabisbaixa perto dele.
Um dos integrantes do conselho dos mescaleros, Silas Cochise, responsável por fornecer informações sobre o projeto, foi proibido por Chino de falar com a Folha. "Ele é meu patrão, se falar com você perco meu emprego", disse.
Segundo Cochise, a imprensa é responsável pela divulgação de informações difamatórias sobre o projeto. "Nos dispomos a esclarecer, para isso montamos até um centro de informação sobre a construção do reservatório", disse.
No centro de informação, só se pode obter material escrito promovendo a construção do reservatório. Jennifer Sundayman-Byers, a chefe do centro, se recusa a dar entrevistas ou fornecer qualquer informação adicional.
Cochise não esclareceu quanto a tribo vai receber das empresas para reservar lixo atômico e se negou a fornecer detalhes do projeto.
Wendell Chino é conhecido na tribo por sua intolerância; os mescaleros sabem que se o desafiarem colocam suas vidas em risco, segundo a mescalera Rufina Laws.
Chino é presidente da tribo há 32 anos. "Era extremamente frustrante trabalhar com ele", disse Russ Warwick, 33, que trabalhou como sanitarista por quatro anos.
Warwick foi banido da tribo -ele recebeu de Chino uma carta que o proíbe de entrar na reserva- porque se pronunciou publicamente contra o reservatório.
Na vila mais próxima, Ruidoso, com cerca de 6.000 habitantes, a maioria da população é contra, segundo o presidente interino da Câmara de Comércio, Danny Sisse.
A região da reserva, incluindo a vila de Ruidoso, é uma estância turística que tem a mais completa estação de esqui -de propriedade dos mescaleros- e, durante o verão, as corridas de cavalo atraem turistas do país todo.
"Quando foram feitos protestos, o presidente ameaçou fechar a estação de esqui e os comerciantes ficaram em pânico", disse Sisse.

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