São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Falta visão global a candidatos, diz filósofo

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Em maio de 1968, André Glucksmann estava nas passeatas dos estudantes contra o governo do general Charles de Gaulle. No mês passado, o filósofo, 58, lançou na França um livro cujo título é: "De Gaulle, Onde Está Você?"
Não há contradição entre as duas épocas, garante: "Resistíamos ao De Gaulle envelhecido em nome do De Gaulle resistente ao nazismo", diz, comparando o De Gaulle herói da Resistência Francesa na Segunda Guerra ao mesmo, quando presidente (1965-69).
Como boa parte dos intelectuais franceses, Glucksmann critica a falta de visão global dos candidatos à Presidência francesa. Ele afirma ainda não saber em quem vai votar.
Faltaria a eles a coragem de De Gaulle -último estadista francês, para ele- para encarar de frente as crises da política externa. Leia trechos de sua entrevista.

Folha - Por que publicar um livro agora?
André Glucksmann - É um livro de meditação sobre os conflitos atuais no mundo e a forma de pensá-los. É um fruto da queda do Muro de Berlim e da nova situação mundial que dela resulta.
Parto do fato de que ainda não se pensou nela. A prova é esta eleição, que, até agora, se desenrola como se o Muro de Berlim não tivesse caído; se o império soviético não se tivesse esfacelado; se não houvesse uma guerra há três anos, no coração da Europa, na ex-Iugoslávia; outra guerra na fronteira da Europa, na Tchetchênia; uma grave ameaça fundamentalista religiosa.
A escutar os diferentes candidatos, acreditaríamos estar em 1988. Esses problemas não são nem sequer evocados nesta campanha. Acho isso extremamente perigoso.
Folha - Por que De Gaulle como centro dessa reflexão?
Glucksmann - Não tenho vontade de fazer os mortos falar. Pretender saber o que ele pensaria da situação atual seria abusar e mumificar o general, que cometeu erros e poderia cometer outros hoje.
O que quero tirar de De Gaulle é um método intelectual, muito mais que um conjunto de receitas. Esse método fez com que ele fosse rejeitado pelas elites intelectuais da 3ª, da 4ª e da 5ª Repúblicas.
Folha - O sr. faz uma autocrítica em relação ao passado?
Glucksmann - Não realmente. Nunca fui um antigaullista doentio. Apoiei De Gaulle contra Mitterrand (na eleição presidencial) em 1965. Em 1968, desfilei com os estudantes contra De Gaulle. Era um antigaullismo paradoxal: resistíamos ao De Gaulle envelhecido em nome do De Gaulle resistente ao nazismo. Para compreender Maio de 1968, é preciso interpretá-lo como uma rivalidade com o gaullismo.
Folha - Hoje há pelo menos três candidatos que disputam a herança de De Gaulle: Chirac, De Villiers e Balladur...
Glucksmann - No fundo, todos reivindicam as idéias de De Gaulle. O que me inquieta é que nenhum aplica seu método. Todos apresentam seus programas apenas em termos "franco-franceses". Não falam da situação mundial.
Ora, o destino da França não se decide apenas aqui. Esses pseudogaullistas confundem a França com Mônaco. Elegemos um príncipe herdeiro que administra nossos cassinos sem se preocupar com a política estrangeira.
Folha - Essa visão se deve ao medo do estrangeiro, da guerra?
Glucksmann - Sim. Há um enorme recuo e isso não é gaullista. Quando começa a fechar as fronteiras e se refugiar atrás de linhas de defesa imaginárias -que lembram a Linha Maginot da Segunda Guerra-, a França recai, de certa forma, no pétainismo (regime do marechal Philippe Pétain, que colaborou com os nazistas na França ocupada, de 1940 a 1944).
Folha - O sr. é extremamente crítico do pétainismo de François Mitterrand na juventude.
Glucksmann - Não. Eu perdoaria sua juventude. Nem todos podem ser corajosos. Eu o critico por nunca ter reconhecido os erros de sua juventude. Ele não mudou de conduta: apoiou por três anos o pior dos governos, os hutus de Ruanda, apesar das advertências.
Folha - Para o sr., então, o gaullismo é ser corajoso?
Glucksmann - Espere: é ser intelectualmente corajoso. Não se esconder como uma avestruz para não ver o que se passa no exterior.
Há conflitos e há perigos: tomemos consciência. Também é se solidarizar com as pessoas que lutam pela liberdade. Nem sempre podemos ajudar, mas devemos ser solidários. Podem ser as mulheres reprimidas na Argélia, escritores como Salman Rushdie, crianças tratadas como escravos no Brasil, homossexuais presos em campos, como em Cuba.

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