São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Três Brasis

Três Brasis
Três países. Num deles, o ambiente é de otimismo, quase euforia, e a sensação geral é de que o crescimento acelerado e os preços sob controle são apenas os porta-bandeiras de tempos ainda melhores à frente. Noutro, o ambiente é de incerteza, quase inquietação, e a impressão é de que o crescimento acelerado e os preços sob controle são conquistas de difícil manutenção. No terceiro, o ambiente é de apreensão, quase angústia, e o crescimento acelerado e os preços sob controle -por quanto tempo?- são vistos como resquícios de um sonho que ameaça terminar.
Curiosamente -tragicamente-, apenas alguns meses separam as duas primeiras nações, e poucas semanas as duas últimas. Meses abissais e semanas vertiginosas, que assistiram a uma reviravolta tão dramática e radical, aliás, que merece -precisa- ser analisada com toda a cautela e atenção. Afinal, tanto a economia, nas suas rebuscadas formulações matemáticas, quanto o senso comum concordam ao alertar para a importância crucial das expectativas e seu impacto decisivo sobre o mundo concreto.
E o fato é que essas chamadas expectativas, dissecadas não só em análises racionais mas também em sensações e impressões difusas, estão em queda livre e cada vez mais acelerada. A percepção que se dissemina e fortalece é de que o país estacou, qual um jumento temperamental, exatamente quando começava a caminhar no rumo certo. É um sentimento, este de que uma oportunidade de ouro está sendo desperdiçada, que mescla perplexidade, inquietação e desalento.
Ninguém ignora, é claro, a tempestade que de um só golpe transformou o cenário internacional de róseo em sombrio. Mas como forças da natureza, esses são eventos alheios à vontade e mesmo à previsão -principalmente nacionais. É evidente que afetaram os ânimos do país, mas não respondem por toda a mudança de ânimo dos últimos meses e das últimas semanas.
A angústia de fato é mais forte porque sabemos que, se a chance for mesmo perdida, se mais uma vez sobreviverem as deficiências estruturais que dilaceram o país por dentro, se mais uma vez a estabilização infante escoar por entre os dedos, seremos nós mesmos, os brasileiros, os grandes culpados.
A cada mostra de desorganização do Executivo, a cada mostra de irresponsabilidade do Congresso cresce não só a irritação, como também um certo desalento irrequieto, uma tristeza inconformada com a incapacidade aparente do país de aproveitar as circunstâncias e finalmente começar a andar para frente.
À falta de iniciativa, coesão e ousadia do governo, à falta de seriedade e consequência do Parlamento, a sociedade responde com falta de confiança. Decisões de investimentos são temporariamente suspensas, prejudicando o aumento da oferta que poderia atenuar pressões inflacionárias e permitir que uma parcela um pouco maior da população brasileira almejasse a um pouco mais que a subsistência.
Não se vislumbram indícios de que o Estado vá mesmo equilibrar suas contas. Aliás, episódios como o da vitória ruralista na questão dos financiamentos agrícolas apontam na direção oposta. A mera incerteza, de todo modo, já basta para afetar as expectativas. Mais ainda, levanta dúvidas preocupadas quanto ao andamento de todo o plano, já que o enfraquecimento da âncora cambial exigiria uma compensação no fortalecimento da âncora fiscal.
Embora o fulcro principal da letargia aparvalhada que se abateu sobre o Brasil sejam sem dúvida os Poderes Legislativos e Executivo, não se pode ignorar que também do lado da sociedade a iniciativa anda em baixa. É incrível como um país aparentemente tão homogêneo -não tem maiores diferenças de língua, etnia ou religião- consegue se mostrar tão disperso, desconjuntado, quando se trata de definir seu próprio futuro. Afora alguns grupos de interesse restrito, corporações que não olham para além do seu próprio bolso, há muito pouca atividade e pressão em favor das reformas que -ironicamente- abririam caminho para ganhos de todo o país.
A Páscoa, de todo modo, tem na tradição judaico-cristã o significado de passagem. Acredite-se ou não em Deus, ou nesse Deus, o simbolismo é oportuno. O feriado oferece um bom momento para reflexão de governantes e legisladores sobre a gravidade extrema da deterioração das condições políticas e sobre as consequências de deixar que o país mais uma vez perca o bonde da história. Este, impulsionado pela tecnologia admirável do mundo novo, passa cada vez mais depressa. E não perdoa retardatários.

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