São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Oito ou 80

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Brasil importou US$ 17 bilhões só no mês passado. Esse número não deveria ser motivo de preocupação quando se considera o tamanho da economia brasileira, cujo PIB se aproxima dos US$ 500 bilhões anuais. Além disso, a globalização da economia está induzindo uma expansão do comércio internacional que cresce a quase 10% ao ano.
As importações, no caso brasileiro, desempenham a dupla função de induzir a modernização industrial e satisfazer os consumidores locais. O Brasil acertou na década de 50 ao proteger o início da industrialização por uma política de substituição de importações, mas errou ao prolongá-la até a década de 80. No começo da abertura comercial, no início dos anos 90, descobrimos que, em muitos setores, estávamos atrasados do ponto de vista tecnológico e pagando caro por produtos que lá fora eram mais baratos e de melhor qualidade.
Não há como defender o fechamento da nossa economia num mundo que se abre cada vez mais. Por outro lado, não há razão de se promover uma abertura que consome divisas preciosas e desorganiza a produção local. Dos US$ 17 bilhões importados em março passado, gastamos cerca de US$ 7 bilhões com automóveis e eletrodomésticos. Duas perguntas me vêm à mente: 1) Para instigar a melhora da qualidade e baixar os preços locais, é necessário um ritmo tão acelerado de importações? 2) O uso de cerca de 25% de nossas divisas para comprar veículos de luxo e freezers sofisticados, em um só mês, é a estratégia mais adequada para se promover a modernização dos setores mais defasados de nossa indústria?
Penso que, nos dois casos, a resposta é não. A abertura não pode parar. O Brasil precisa se integrar cada vez mais aos padrões da indústria mundial. Mas tudo isso exige um mínimo de organização. Não se pode sair do oito para o oitenta. O doente não pode morrer da medicação.
As importações devem aumentar de forma cadenciada, suficientemente rápidas para instigar a modernização desejada e necessariamente lentas para preservar a produção local. Elas têm de ser bem articuladas com o crescimento da oferta nacional. Isso requer muita "ourivesaria" entre governo e empresariado, o primeiro por deter o poder, entre outras coisas, de aumentar ou reduzir alíquotas e os empresários por deterem a capacidade de produzir.
O exemplo das nações do Sudeste Asiático é eloquente. Ali, ninguém pensa em fechar a economia. Mas ninguém advoga tampouco uma abertura desordenada ou o estancamento das exportações como defendeu o nosso último ministro da Fazenda. Naqueles países, governo e empresários interagem permanentemente. As políticas industriais e a dinâmica das alíquotas funcionam como estímulos e não desestímulos. As alíquotas sinalizam para os produtores em que campos eles devem melhorar -e em quanto tempo. As importações aumentam até o ponto em que os produtos locais passam ser tão bons quanto os estrangeiros, o que faz as importações recuarem de modo natural.
Nesse terreno governo e empresários devem ser parceiros e não adversários. O que falta no Brasil é isso. Não seria o caso de organizarmos uma boa parceria entre as partes em lugar de insistirmos na gangorra das alíquotas?

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