São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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A alegria de ficar deprimido já atravessa várias décadas

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alguém disse que "Jesus Built My Hot Rod" (do Ministry) é a "Ace of Base" (do Motorhead) dos anos 90. É gente cuja memória musical se estende no máximo aos últimos 15 anos.
Como a minha vai um pouco mais longe, acho que "Jesus Built My Hot Rod" é a "Highway Star" (do Deep Purple) dos anos 90. Não que essas três músicas sejam iguais. Mas a sensação das três é a mesma.
Foi o que ocorreu aos meus cambaleantes neurônios na véspera do feriado: algumas sensações provenientes da música têm vida própria. Entra ano, sai ano, elas estão por aí, encarnando em uma canção ali ou em uma batida acolá. Considerações teosóficas de almanaque de quem abre a oitava latinha.
Se isso é verdade, então você deve acreditar que existem um monte de sensações musicais diferentes voando por aí. Tem música para rir, para chorar, para transar, para pensar, para filosofar. Tem música para quase tudo. E tem um tipo de música para ter pensamentos negros e ficar com o coração cheio de sentimentos sórdidos e desesperançados -e apreciar a sensação. É uma invenção do rock. Claro que sempre houve músicas tristes, ou depressivas, ou melancólicas. E tem, claro, o blues.
Mas foi com o rock, e especificamente dos anos 60 para cá, que começou a se refinar essa categoria de "dark music". O engraçado é que esse tipo de música ultrapassa as barreiras dos estilos. Tem um certo tipo de sensibilidade perversa que você encontra em todos os lugares através das últimas duas ou três décadas.
Sendo bem mais preciso: o Black Sabbath, o Bauhaus e o Nine Inch Nails são a mesma banda. Uma banda para quem aprecia se entreter com pensamentos pesados. Para quem é obcecado com carne e sangue, com monstros, bizarrias, cemitérios, tortura, solidão, maldade.
Claro, é muito fácil e comum ficar de saco cheio com a futilidade intrínseca da existência e encasquetar com questões profundas -tipo "Qual é o significado disso tudo?". Ainda mais quando você está, ou pelo menos se sente, à parte de toda essa correria sem sentido que a maioria das pessoas costuma chamar de "vida".
A maioria das pessoas ignora ou prefere ignorar essas questões complicadas e, pensando bem, meio deprimentes. É perfeitamente defensável ignorar os macrobodes e nos concentrar nas minúcias, ao som de Madonna, Bob Marley, Van Halen, Oasis.
Mas tem gente que reage ao contrário. Gente para quem quanto mais escuro for o poço maior a vontade de pular. São para essas pessoas que tocavam o Black Sabbath, o Bauhaus, o Nine Inch Nails. Cada um com sensibilidade, formação, senso de humor e características circenses bem diferentes.
Como muita gente gosta deste tipo de música, acabaram aparecendo subgêneros inteiros. Cada um com suas regras, estilos, tribalismos. Mas na essência, o heavy metal é o death metal, que é o rock gótico, que é o som industrial tipo EBM. E o Nine Inch Nails é tudo isso ao mesmo tempo. A banda certa, na hora certa.
E enquanto existirem caras bodeados, enfiados em seus quartos e sonhando com o apocalipse -com o êxtase que seria mandar essa tralha toda para o inferno- este tipo de música vai continuar existindo. Sorte do Nine Inch Nails.

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