São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Sharon Stone não dá, não pensa, nem existe

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hi, baby, como vai esta força? Tens andado meio circunspecto ultimamente. Preocupado com alguma coisa? Não esquenta... Queria aproveitar este momento, só nós dois, para te fazer algumas perguntinhas, posso?
Prenderam o sujeito que atirou pedras no ônibus da comitiva do FHC? Isto é um crime grave, não? Atirar pedras no presidente da sua República, atentar contra sua vida, ameaçar a continuidade de um governo eleito por você. Imagino que os organizadores do protesto (ouvi falar em CUT) estejam sendo investigados, e que muita gente vai ser processada. Não? Acabou em muzzarela?
Não faça isso comigo... Terei dias de chateação procurando explicar aos americanos que atentar contra a vida de um presidente, no Brasil, é legal. Já ganhamos a fama de matar crianças impunemente. Já ganhamos a fama de matar mulheres por ciúmes, e não ser punidos. Agora, perguntarão com aquele olhar superior: "Vocês, do Brasil, podem matar presidentes?"

Você leu "América, de A a Z", o novo livro da jornalista Ana Maria Bahiana? Muito já se escreveu sobre este país, mas poucos conseguiram ser tão fiéis às esquisitices do americano, povo que vive nos fazendo perguntas com olhares superiores.
Acredito piamente que Bahiana resolver dar o troco. Vivendo há oito anos em Los Angeles, provavelmente respondendo diversas indagações sobre o comportamento exótico do brasileiro, representando, indiretamente, o papel de embaixadora do Brasil (e nós, brasileiros no exterior, acabamos indiretamente representando o Brasil), Bahiana deu um basta, sentou-se à frente do computador e dissecou a alma americana, do formalismo artificial das festas, que têm hora para acabar, à ditadura exercida pelas crianças (dá cadeia dar um coque ou um beliscão no filho, em público), da falta de sensualidade, apesar de tantas Sharon Stones e filmecos provocando nossa imaginação, ao exercício da "carromania"; já que tudo é proibido e dá cadeia, é no carro que você é livre, e pode fumar, comer, babar, xingar e dar cabeçada no volante.
O livro (que não foi traduzido para o inglês) é tão instigante, que mereceu matérias em alguns jornais americanos, não nos cadernos de Cultura ou Livros, mas nos primeiros cadernos, ao lado das guerras na Bósnia e Burundi. No San Jose Mercury News, a correspondente Katherine Ellison ficou surpresa de ler um livro que fala dela, e afirmou, chateada, que suas caracterizações do homem ("acha viril arrotar em público e não sabe dançar) e da mulher americana ("planeja casamento como se planeja uma campanha militar") são "significativas". Leia o livro, e veja o que eu sofro.

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