São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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Basta

Basta
Nesta Páscoa, São Paulo assistiu a duas chacinas que deixaram um saldo de nove mortos. Foi o 13º massacre desde o início do ano. O total de mortos já chega a 48.
É claro que existe violência em toda parte do mundo, principalmente nos grandes centros urbanos. O que inquieta no caso da maior e mais rica capital brasileira é que, dos 13 casos de violência desmedida registrados, em apenas quatro as investigações apresentaram alguma espécie de resultado.
É um ciclo perverso. Como a maioria das vítimas vive em favelas, a polícia raramente se dá ao trabalho de levar a cabo uma investigação mais acurada. Adota-se a solução fácil de dizer que os mortos eram traficantes e perderam suas vidas em função de um suposto ajuste de contas entre quadrilhas.
De nada adiantam os depoimentos dos parentes ou mesmos registros policiais que mostrem que as vítimas não tinham antecedentes criminais. Um favelado morto é quase sempre, aos olhos da polícia, um delinquente "justiçado".
Mesmo que toda a população pobre da cidade estivesse envolvida em algum tipo de negócio ilícito -o que está muito longe da verdade-, nada justificaria um comportamento tão omisso das autoridades policiais.
Até o pior dos celerados deve ser julgado, não assassinado.
E a única forma de combater esse tipo de barbárie é esclarecer a maioria esmagadora dos casos e levar os culpados para a cadeira. A omissão policial apenas tende a multiplicar a ocorrência de crimes similares. Na certeza da impunidade, os assassinos se vêem estimulados a continuar agindo.
A culpa não pode, porém, ser atribuída unicamente à polícia. A sociedade também tem a sua parcela de responsabilidade.
A violência dos esquadrões da morte e do narcotráfico foi, pouco a pouco, tomando conta das cidades. O brasileiro perdeu a capacidade de indignar-se. Favelados mortos começaram a fazer parte do cotidiano. Mesmo quando a vítima é da classe média, a reação se torna, a cada dia, mais tímida.
Essa indiferença para com a vida, seja a de um mendigo ou de um milionário, é um fator desestruturador do próprio tecido social. Já é hora de os brasileiros se conscientizarem de que favelado não é necessariamente igual a criminoso. Só assim, a sociedade passará a cobrar uma solução para as chacinas não resolvidas. Se a situação persistir, as próximas vítimas provavelmente não estarão na favela.

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