São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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Juízo final

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Leio na coluna do Marcito, em "O Globo", que o presidente da República acha que a imprensa está aflita. No mesmo jornal, em outra coluna, li uma das mais deslumbradas e babosas apreciações sobre o poder: "O governo Fernando Henrique é formado em sua grande maioria por gente competente, inteligente, preparada, da melhor qualidade. O seu nível é alto demais para a média intelectual do Congresso. Está faltando ao governo apenas um pouco mais de ignorância e grossura. Pan-ca-da!"
O presidente tem razão. Aflição é isso aí. O colunista está impaciente por medidas grosseiras contra o Congresso, um fechamento por exemplo, como nos tempos do autoritarismo. É o "apenas" que está faltando. Dando pan-ca-da no Legislativo, tudo correrá melhor para o país que o colunista e parte da burguesia desejam.
Se o Congresso usasse verba de um fundo social para comprar goiabada, haveria uma convulsão na mídia. O Bóris teria apoplexias a cores, em pleno ar, a Márcia Peltier se engasgaria em lágrimas e a turma do "Jornal Nacional", que não faz o gênero do comentário, empostaria a voz para anunciar o Juízo Final diretamente do Vale do Josafá, num esforço de reportagem do Paulo Henrique Amorim.
Quando tomou o poder, Hitler tinha um detalhado programa de reformas. A Constituição de Weimar era a besta negra que provocava todos os males. Goering era menos idealista do que Hitler. Sendo mais prático, sugeriu uma pan-ca-da no Parlamento que retardava as reformas.
Houve o incêndio no Reichstag e todas as reformas foram feitas. A imprensa, aflitíssima, foi devidamente censurada. O Juízo Final transcendeu ao episódio da goiabada.
Longe de mim a idéia de comparar um democrata de alto coturno como FHC com aquela turma da pesada que, em 1933, tomou o poder na Alemanha. Não acredito que ele se dobre à aflição daqueles que o aconselham a dar pan-ca-da. Será melhor mandar para o Congresso algumas latas de goi-a-ba-da.

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