São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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Aposta na desindexação

RENATO FRAGELLI CARDOSO

A recente opção do governo pelo aumento da tributação sobre importações, em vez da correção cambial, é uma aposta na desindexação da economia, com poucas chances de sucesso.
Desde o lançamento do Plano Real, os próprios economistas do governo, ao advogar a necessidade de um profundo ajuste fiscal, reconheciam que as causas estruturais da inflação não haviam sido atacadas. Por que, então, implantaram um plano de desindexação antes daquele ajuste? Porque acreditavam que a queda da inflação criaria as precondições políticas para que se aprovassem as mudanças constitucionais que atuariam na raiz do problema.
Sem o ajuste, a queda da inflação deveu-se ao controle dos três principais preços da economia. Primeiro, fixaram-se os salários, formadores básicos de custos. Segundo, congelaram-se as tarifas públicas, importantes componentes dos custos industriais e dos preços ao consumidor. Terceiro, valorizou-se a taxa de câmbio, aumentando-se a oferta de produtos importados. Os bons resultados definiram a eleição presidencial no primeiro turno.
Contudo, a queda da inflação transformou em demanda por bens e serviços, do dia para a noite, os R$ 15 bilhões perdidos anualmente pela população ao reter os cruzeiros reais, que se desvalorizavam 50% ao mês. Com o passar do tempo, o conhecido efeito multiplicador keynesiano triplicou este valor para cerca de 10% do PIB! Para agravar o problema, a redução das incertezas sobre preços levou a população a financiar o consumo presente com renda futura, via crediários, consórcios, cheques pré-datados etc.
Diante da disparada do consumo, só a valorização cambial explica porque a inflação permaneceu controlada. A prova disso é o fato de a inflação do Real ter se concentrado nos aluguéis e serviços, que não podem ser importados. Os bens de consumo importáveis ficaram com preços parados, pois a concorrência dos estrangeiros conteve os preços de seus similares nacionais. A consequência foi a passagem do antigo superávit comercial mensal de US$ 1 bilhão para o atual déficit do mesmo valor. Esse déficit poderia ter sido financiado com endividamento externo, mas a crise mexicana chegou a tempo de demonstrar o perigo desse tipo de estratégia.
O governo viu-se, então, diante de um dilema: as contas externas pediam a desvalorização do câmbio, mas esta impulsionaria a inflação interna. Além disso, pela lei que criou o Real, os aumentos decorrentes de uma desvalorização passariam para os salários das categorias profissionais com reajustes pelo IPC-r até junho, reestimulando as remarcações. Diante da difícil escolha, o governo optou pelo casuísmo, desvalorizando o câmbio em irrisórios 6% e dobrando a tributação sobre importações de produtos que pesam muito no balanço comercial mas pouco no índice de preços.
Mas os mercados financeiros sabem que a correção cambial não poderá tardar. Para convencer os investidores a manter suas aplicações em reais e os exportadores a adiantar contratos de câmbio, o governo -isto é, os contribuintes- está pagando juros de agiota de 30% reais ao ano. Apesar disso, as reservas internacionais brasileiras já caíram de US$ 40 bilhões para US$ 30 bilhões!
Sendo a desvalorização inevitável e o custo de adiá-la tão alto, por que o governo não desvaloriza já? Porque aposta que os juros altos e os (tímidos) cortes de despesas públicas serão suficientes para desaquecer a economia até julho, quando expira a indexação salarial em vigor. Com o desemprego em ascensão, as pressões sindicais por reajustes salariais seriam menores. Poder-se-ia, então, corrigir o câmbio sem que sua pressão sobre preços fosse repassada aos salários. A volta da espiral preços-salários ficaria contida pelo desemprego.
O problema dessa estratégia é que a economia está embalada demais para ser freada em prazo tão curto. Além disso, sem a aprovação das reformas estruturais faltará argumento para impedir que a oposição aprove no Congresso a reindexação salarial plena. Mais realista seria o governo reconhecer as limitações do Real e liderar a negociação de alguma forma branda de indexação salarial. Esta permitiria a convivência com uma inflação em nível tolerável ao longo do período em que se aprovariam as reformas estruturais, criando-se precondições para um novo plano de estabilização mais consistente.

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