São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 1995
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De masturbações

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O Brasil é mesmo um país esquizofrênico. Prova-o, mais uma vez, se necessário fosse, o caso Sérgio Motta. Por partes:
1 - Há um clamor geral por transparência, para que as autoridades digam a verdade, toda a verdade, nada além da verdade. Aí, vem uma autoridade (dupla, aliás, porque, além de ministro, é tido como o primeiro-amigo do rei), diz a verdade, quase toda a verdade e o pessoal cai matando em cima.
2 - Não é preciso ter feito pós-graduação em Harvard, Princeton, Sorbonne ou na FMU para se descobrir que o Brasil é o paraíso mundial da "masturbação sociológica" sobre a pobreza. Basta lembrar que, depois de uma pilha de livros, "papers", estatísticas, o diabo sobre o assunto, vem o Seade e demonstra que o número de miseráveis, em São Paulo, aumentou 42% de 1990 para 1994.
Veja-se que estamos falando da mais rica cidade do mais rico Estado brasileiro. Hoje, os não-pobres são apenas um pouco mais da metade da população paulistana (exatamente 52,7%). Em outras palavras, a cidade mais rica do Brasil está rachada praticamente ao meio entre a metade pobre e a metade não-pobre.
Se continuar a "masturbação sociológica", como é muito provável, em breve os não-pobres vão precisar do Greenpeace para defendê-los, como espécimes em vias de extinção.
3 - O ministro disse também que o governo fez "besteiras" na área política. Todos os jornais, até os mais simpáticos ao governo, cansaram-se de dizer a mesma coisa. Talvez não tenham usado a palavra "besteira", por mero pudor linguístico. Mas era exatamente isso que queriam dizer.
4 - O governo, por sua vez, argumenta que ministro das Comunicações só pode falar de Comunicações e não lhe cabe criticar colegas. Pura hipocrisia. Qualquer um que tenha passado mais de 24 horas em Brasília sabe que falar mal dos outros (adversários ou companheiros de partido ou de governo) é um esporte nacional na capital (como, de resto, em outras capitais similares, como Washington, por exemplo).
O resultado da esquizofrenia vai ser este: em vez de acabar a "masturbação sociológica" sobre a questão social, inicia-se outra, sobre Sérgio Motta.

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