São Paulo, sábado, 22 de abril de 1995
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A desinformação técnica na reforma

LUIZ PINGUELLI ROSA

Era visível a tensão do presidente ao ir para os Estados Unidos da América, constrangido pelas pressões e pela incerteza da aprovação das reformas no Congresso. É ilógico descartar a possibilidade de decisões democráticas internas não coincidirem com objetivos de investidores estrangeiros. Vide o conflito entre a embaixada dos EUA e o Congresso argentino, sobre patentes, e a crítica do ministro da Marinha aqui à abertura na cabotagem.
Foi elogiável o recuo na abertura do mercado, que nos levava à rota do México e provocou reação dos industriais paulistas, e na emenda da Previdência, repudiada pelos sindicatos e pelos militares. Era hora de um entendimento para clarear o significado da flexibilização dos monopólios constitucionais. Mas recrudesceu a campanha para aprovar as emendas como estão. Do outro lado, é errado ser contra todos que querem reformas. Deve-se abrir o diálogo, como fez a Escola Superior de Guerra na revisão de 1994.
Seguindo a globalização, a Petrobrás e a Telebrás podem fazer já parcerias com multinacionais, que podem compartilhar de objetivos do país definidos internamente. Há um erro lógico do governo ao propor emenda visando excluir a Petrobrás das concessões às "majors", que buscam reservas e mercados de acordo com suas estratégias mundiais.
O petróleo, alvo há dias de conferência da ONU em Berlim, não é uma "commodity" qualquer. Tanto que mesmo a emenda mantém o monopólio da União, embora tire desta sua execução. Ora, mantido o monopólio, deve-se exercê-lo de modo eficiente. Pragmaticamente, a Petrobrás é o melhor instrumento, pela sua experiência técnica. Por que excluí-la das concessões às multinacionais?
A União terá de regular e controlar gigantes mundiais, dispondo de uma débil estrutura. Levará anos reformulá-la. Se o objetivo era flexibilizar o monopólio para a Petrobrás fazer parcerias, então a emenda está errada. Atrapalha porque a enfraquece como a Eletrobrás.
Falei isso na Academia Brasileira de Ciência com José Arthur Giannotti e escrevi ao ministro da Educação sugerindo abrir debate na TVE, sem resposta.
O governo tem de ouvir críticas e respondê-las com argumentos racionais. Rotula de derrotados e corporativos quem critica, como se a democracia se esgotasse na eleição. Nela falou nas parcerias e depois mudou, confundindo as pessoas -até o presidente do PMDB, Luiz Henrique, que na TV Manchete, na Páscoa, falou em associações da Petrobrás.
Do lado das emendas estão corporações empresariais interessadas em bons negócios nas privatizações, com as recompensas de praxe para os colaboradores. Entre os críticos estão os presidentes da ABI, OAB, SBPC, Clube de Engenharia, Instituto dos Economistas do Rio e o Betinho. Um time ético!
Falando sobre concessões de energia elétrica, o presidente identificou os críticos com a Inquisição. Mas foi o governo que proibiu técnicos de empresas públicas de defendê-las, atacadas com dados falsos. O governo confundiu-se com o Estado, cujo corpo técnico tem deveres éticos com o público acima do governo. Este não pode proibir técnicos de falarem, como fez a Inquisição com Galileu, sonegando aos parlamentares e à opinião pública informações que eles podem dar. Ficam apenas as dadas pelos interessados nas privatizações, com espaço na mídia. Esta omitiu elogio do governador Marcello Alencar, do PSDB, à Petrobrás.
Enquanto engenheiros e geofísicos são silenciados, pontifica a ignorância dos que não entendem do que falam e a meia verdade dos sabidos.
Roberto Campos confundiu na Folha conceitos elementares sobre área sedimentar e petróleo. Matéria da TV Globo diz que o Brasil deve expandir a produção de petróleo como a China pretende, onde o consumo cresce a 18% ao ano, enquanto aqui o mercado é plenamente atendido pelo petróleo produzido com a melhor tecnologia ou importado a bom preço.
No Congresso, um empresário convidado disse que certa distribuidora privada é a primeira em vendas no país, lugar ocupado pela BR, estatal. Outro disse que na Argentina os preços dos derivados caíram (em pesos) e as reservas e a produção subiram. Faltou explicar que os preços subiram em dólares, que as multinacionais levam para fora, e as reservas foram nominalmente rebaixadas na privatização e depois voltaram ao valor anterior. Coincidência?! A produção subiu predatoriamente, pois a relação reservas/produção caiu de 12,5 para 8,4 anos. No Brasil é de 19 anos.
Economistas do governo ditam regras sobre energia, telecomunicações e a Vale do Rio Doce, reduzindo tudo ao livre mercado competitivo. Em seminários da coordenação de estudos avançados (Copea) da UFRJ, Moisés Nassenzveig, prêmio Max Born de física, e Jacob Palis, que recebeu da OEA (Organização dos Estados Americanos) mais um prêmio internacional de matemática, mostraram como é improvável em sistemas dinâmicos o equilíbrio -pilar da teoria do livre mercado.
Para compensar o déficit decorrente da política de livre mercado, as privatizações atrairiam dólares. E depois, quando precisarem de mais e mais, vão vender o quê? Na Argentina, querem privatizar institutos científicos.
A teoria da dependência culpava os países ricos pelo atraso do Brasil. Querer que eles venham resolver nossos problemas é o reverso do mesmo erro, como mostra o México. Os responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil e da América Latina devem ser os que aqui vivem, abertos ao mundo mas sem perder o eixo próprio. Assim é na Ásia, onde deu certo.

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