São Paulo, sábado, 22 de abril de 1995
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Marisa canta para comunidade solidária

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A cantora Marisa Monte, 27, construiu a reputação mais na fotogenia do que na voz. O exibicionismo visual continua no show, que estreou anteontem no Palace em São Paulo. Mas também houve melhoria musical.
Nos últimos cinco anos, Marisa tem se valido da beleza para encantar o público da classe média descolada. Mas o gesto afetado, que tanto a ajudou no início, hoje é um obstáculo para que ela atinja a excelência interpretativa.
"Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão" é um espetáculo agradável, meio axé cabeça, pop brazuca, meio Gal no início da carreira. Ela nacionaliza o estilo e faz o melhor show de sua vida.
Ganhou ao abandonar o estilo de palco tipo Leandro & Leonardo. A cenografia psicodélica de Hélio Eichbauer é renovadora.Deve ter sido inspirada no último show dos Rolling Stones. Três telões exibem imagens condizentes com o tema de cada música.
Isso ajuda o público a se esquecer da banda, barulhenta e medíocre. Os oito músicos querem mostrar serviço demais e têm coragem de fazer até solo de berimbau e número de cuíca.
O repertório compensa. Reúne algumas das melhores canções do pop brasileiro contemporâneo. O gosto de Marisa se refinou e ela explora letras e melodias interessantes de Carlinhos Brown, Nando Reis e Arnaldo Antunes.
Desde seu segundo disco, ela se revelou igualmente uma afiada compositora. Duas das melhores músicas de Nando e Carlinhos foram feitas em parceria com ela.
São os casos da inédita "Seu Zé", que inspira o título do show, balanço benjoriano com letra nacionalista, a canção "Ao Meu Redor" e a divertida "Na Estrada".
Outro traço elogiável na cantora é a atenção para com as influências do passado. Anteontem cantou Caetano ("De Noite na Cama"), George Harrison ("Give me Love"), Jorge Ben Jor ("Balança a Pema") Paulinho da Viola ("Dança da Solidão").
A platéia do Palace deixaria Ruth Cardoso feliz. É a verdadeira materialização de uma comunidade solidária. Ajudou, levantou, dançou, gritou "parou por quê".
Pena ter aplaudido mais o histrionismo chique do que a música.
Mas basta fechar os olhos para se ter uma idéia clara dos dons da cantora. Possui noção de dinâmica e balanceia forte e piano com uma precisão sem rival. Sua voz de meio-soprano mantém bom alcance. Economiza recursos. Exagera pouco, e isso em alguns vocalises.
Continua, porém, bloqueada para transmitir sentimentos profundos, como no início da carreira. Sua alma continua vagando pelas superfícies, presa aos maneirismos gestuais. Às vezes tenta se despir do corpo. O sentimento quase vem, mas escorrega como mercúrio por suas mãos nervosas.
Falta-lhe vencer o narcisismo para chegar lá. Parece se exibir para um espelho, um escudo polido. Parece não; a platéia de classe média é o mais nítido dos reflexos. Esta joga com o ego, não a arte.
Marisa se alimenta desse elemento frívolo. Lastimável, já que ela tem um dos timbres mais bonitos da música brasileira.

Show: Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel. 011/531-4900, Moema, zona sul)
Quando: de quinta a domingo, às 21h30
Quanto: de R$ 30,000 a R$ 80,00

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