São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Cautela não faz mal a ninguém

OSIRIS LOPES FILHO

A reforma tributária em países democráticos e com autoridades responsáveis é tratada com cautela. Isso porque interfere com o bolso dos cidadãos, afeta o funcionamento da economia e pode alterar a sustentação financeira dos entes públicos.
O aconselhável -quando a reforma é feita pelo governo federal- é que se façam os estudos e divulguem-se os resultados. Que a fórmula adotada resulte de ampla discussão das autoridades com membros do mundo acadêmico, entidades econômicas e órgãos das sociedades civil. E dos Estados, Distrito Federal e municípios.
O objetivo desse trabalho conjunto não é só obter o consenso em torno da proposta. O que se deve procurar obter é a realização do diálogo democrático com os setores interessados, de sorte que a proposta do governo não represente apenas o seu entendimento leonino a respeito da questão. Ou seja, a meta será evitar as resistências que a proposta de emenda acerca da Previdência Social tem suscitado por haver sido concebida em torre de marfim tecnocrática.
A criação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), por exemplo, tem sido tratada em alguns gabinetes brasilienses. Ele resultaria da fusão de três impostos: IPI, ICMS e ISS. A reação municipalista não se fez esperar. O prefeito de Osasco, Celso Giglio, reuniu prefeitos de outros municípios e produziram a "Carta de Osasco", manifesto contra a possibilidade de atentado ao regime federativo.
A criação do IVA federal vulnera também a autonomia financeira dos Estados e do Distrito Federal.
É elementar na concepção federativa de estruturação do Estado que os Estados-membros tenham uma fonte de receita tributária -o ICMS-, mas que tenham o poder político de decidir a seu respeito. A Assembléia Legislativa deve editar leis sobre o imposto.
Um IVA federal, com a competência de legislar no governo central, constitui golpe à autonomia estadual e a toda estrutura da Federação. Não há sistemática distribuição de recursos ou mecanismo de partilha da arrecadação que mitigue a destruição do federalismo desta proposta.
Segundo o artigo 60, parágrafo 4º, inciso 1º da Constituição: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado". Esse, um dos limites à proposta.
Há outra questão constitucional que não tem sido objeto de análise adequada neste momento em que o presidente da República se propõe a realizar uma profusão de reformas constitucionais: do Estado, da ordem econômica, do sistema tributário e da Previdência Social. Como conciliar o disposto no artigo 60, inciso 2º da Constituição com o estabelecido em seu artigo 78. Como harmonizar a faculdade presidencial de propor emendas constitucionais com o compromisso prestado diante do Congresso e da nação, e a função atribuída pela Carta Magna de manter, defender e cumprir a Constituição.
As emendas constitucionais propostas pelo presidente não podem atentar, em matéria tributária, contra a Federação, nem vulnerar os direitos e garantias individuais.
Se ao presidente incumbe a defesa, a manutenção e o cumprimento da Constituição, a sua possibilidade de propor emendas é reduzida. Há uma significativa preponderância do dever de preservar a Constituição sobre o poder de modificá-la. O presidente pode propor emendas à Consituição. Mas somente em matéria pontual, para aperfeiçoar o que nela existe.
Destruir os regimes jurídicos essenciais previstos na Constituição, alterar seus princípios básicos e fundantes, ainda que proponha outros, constitui caminho interditado ao presidente.
Se o objetivo é ter-se um país civilizado, o primeiro passo é o cumprimento das leis e observar a Constituição. No Executico, o seu principal guadião é o presidente da República. Daí a sua competência para propor emendas à Constituição não ser ampla, mas bastante reduzida.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-Secretário da Receita Federal.

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