São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Qwerty e as falhas do mercado

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O mercado na economia capitalista executa bem funções como a de informar os agentes dos preços dos bens e permitir que se alcance uma utilização eficiente de recursos, ao se seguir estas informações. Com mercados concorrenciais, a descentralização permitida no uso da informação é uma força poderosa que leva à eficiência.
Devido à caracterização de como funcionam os mercados puros, há uma forte tradição na economia que idolatra o funcionamento dos mercados, reputando-os como perfeitos e acreditando que os mercados concorrenciais predominam em quase todas as partes.
Mas existem muitas "falhas" de mercado que os economistas conhecem há tempos: economias de escala, falta de mercados perfeitos de longo prazo, externalidades positivas e negativas, bens públicos etc. Contudo, a atitude tradicionalista é classificar estes casos como exceções, logo, não tão importantes.
Esta atitude não mais preside a fronteira da pesquisa econômica. Paul David, da Universidade de Stanford, com um trabalho extremamente influente (American Economic Review, maio/1985) sobre a história da Qwerty e como os mercados costumam ficar "amarrados" ("locked-in") com as instituições adotadas logo no início, mostra que o potencial de ineficiência dos mercados é grande.
Qwerty é o nome do teclado das máquinas de escrever (atualmente, teclado dos computadores). Por todos os testes ergométricos já feitos, o Qwerty é um arranjo flagrantemente ineficiente das letras do alfabeto em um teclado. No entanto, por ter sido usado desde cedo, terminou sendo adotado universalmente.
Paul David demonstra em seu trabalho, com inegável clareza, três facetas do mundo real com que a visão mais ideologizada da economia tem enorme dificuldade de lidar.
1. A inter-relação técnica e institucional dos sistemas complexos de produção (por exemplo, a relação entre o "hardware" do teclado e o "software" da memória digital dos que datilografam).
2. As economias de escala, ou custos decrescentes, associadas com o fazer e vender muito um tipo particular de design, algo que confere vantagens consideráveis ao seu proprietário.
3. A quase irreversibilidade ou vida longa de certos investimentos. No caso da Qwerty, irreversivelmente obrigando a todos que queiram datilografar a aprender a idiossincrasia do teclado.
Tudo isso conduz a processos que David denominou de "lock-in" (amarra, junção forte). Como consequência, temos que considerar que a mudança econômica é cumulativa, instável e inexoravelmente condicionada pelas instituições que a acompanham.
A importância da falha tipo Qwerty é ressaltada por Paul Krugman, considerado pela revista "The Economist" o economista mais criativo da nova geração. Em "Peddling Prosperity", seu último livro (W. W. Norton, 1994), Krugman escreve: "O reconhecimento da importância da Qwerty refuta a fé quase religiosa dos conservadores nos mercados livres. Se algo tão ineficiente como o teclado Qwerty pode persistir por décadas, então não se pode depender que os mercados sempre consigam acertar".
Ao trabalho de David somam-se outros de Paul Krugman, Paul Romer, Brian Arthur e Gregory Mankiw, explorando as implicações distintas de se modelar economias de escala, externalidades e instituições (boas e ruins).
As reflexões de Krugman são pertinentes ao Brasil atual, onde muitos economistas "yuppies" estão encantados com a arte de ganhar dinheiro e desejam toda a destruição do Estado possível.

Texto Anterior: O SOBE E DESCE
Próximo Texto: Dependente na declaração; Lalur; Restituição do IR; Brinde; Arrendamento mercantil; Fomento mercantil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.