São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Internet brasileira _ encruzilhada no espaço e no tempo

SERGIO M. REZENDE

O importante é estabelecer já um ambiente fértil de 'incubação' de redes
Nos últimos meses ganhou visibilidade no Brasil a potencialidade das comunicações através de computadores. Embora este meio de comunicação já esteja bastante difundido na comunidade científica internacional há quase duas décadas, ele só chegou ao país em 1990, com a instalação pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) da Rede Nacional de Pesquisa (RNP), conectada à rede internacional conhecida por Internet.
A operação da RNP é viabilizada por uma rede de computadores instalados nas principais capitais do país, chamados "nós", que são interconectados pelas vias de telecomunicações da Embratel. Para utilizar a rede, o usuário deve ser ligado a um dos nós e receber um código de endereçamento, o chamado endereço eletrônico. Até o momento, os usuários da RNP são as universidades, os centros de pesquisa, as ONGs e os órgãos do Sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) do país.
Com a recente abertura, no exterior, para a área comercial, a Internet ganhou uma nova dimensão e passou a ter uma grande importância estratégica para o desenvolvimento econômico. Em artigo recentemente publicado na imprensa nacional, o ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, ao responder à sua própria questão acerca dos desafios que devem ser enfrentados para expandir de forma generalizada e a custos internacionalmente baixos a RNP, propõe que esta expansão e difusão, a todos os municípios brasileiros, seja feita pela iniciativa privada.
Para fazer esta ousada proposta, o ministro Vargas considera que, num primeiro nível de desafios, a infra-estrutura física necessária ao incremento das velocidades de escoamento das informações para aplicações multimídia já existe. O segundo e maior desafio apontado é o dos serviços da rede, que para ser vencido necessita de uma política de formação de recursos humanos. No último nível, estariam as aplicações, onde o ministro aponta residir o retorno do investimento.
O objetivo deste artigo é argumentar que, apesar de um significativo avanço, ao reconhecer a importância da iniciativa privada como carro-chefe de um novo ciclo de desenvolvimento econômico, em contraste com a visão desenvolvimentista estatal que predominou nas últimas décadas, a proposta do ministro Vargas se circunscreve apenas à dimensão espacial dos desafios a serem enfrentados. Em outras palavras, ela não inclui o tempo nas suas considerações.
É importante ter como premissa que a Internet mundial ainda não é uma rede de negócios propriamente dita e que seu efeito nas trocas comerciais globais é ainda insignificante. As comunidades científica, empresarial e política mundiais têm certeza de que ela será, a médio prazo, o principal meio de comunicação e comércio, além de ser a base da nova indústria da informação.
Na Europa e nos Estados Unidos esta mudança já está em pleno curso e grandes investimentos estão planejados para melhorar a infra-estrutura física das redes, através das chamadas auto-estradas de informações, ou infovias.
No Brasil, apesar da RNP ser a maior rede da América Latina, estima-se que o número de computadores e usuários interligados teria que ser pelo menos cem vezes maior que o número atual de 50 mil usuários para que o impacto científico, cultural, educacional, social e de negócios fosse significativo.
Além da universalidade de acesso proposta pelo ministro -rede em todos os municípios brasileiros-, é fundamental que a qualidade do acesso seja também universal, para que não se estabeleçam, como é quase sempre o caso brasileiro, bolsões geográficos de privilégios.
Entretanto, para que isto aconteça, é necessário e urgente estabelecer no processo de implantação da Internet comercial no Brasil um estágio de incubação onde todos, inclusive as empresas estatais e a iniciativa privada, criassem um amplo, eficiente, eficaz e democrático ambiente de redes de informação.
Este período de incubação consistiria das seguintes etapas: um processo de conscientização da importância das novas redes de informação; seleção de técnicas e tecnologias apropriadas; treinamento de profissionais nos perfis apontados pelo ministro; estabelecimento de parcerias entre as atuais empresas estatais do setor de comunicações, o setor de C&T e a iniciativa privada; e, finalmente, a prática do uso de redes de computadores, onde o fundamental seria a criação dos instrumentos regulatórios e dos elementos que possibilitariam o uso efetivo da rede com fins comerciais.
Ainda mais, no âmbito operacional durante a incubação, as regras deveriam ser mínimas, de forma a permitir a experimentação de tecnologias e mecanismos de cooperação, entre outras, para possibilitar a descoberta de caminhos próprios, de acordo com as necessidades e interesses nacionais.
É importante salientar que a Internet norte-americana foi "incubada" durante 20 anos nos setores de ciência, tecnologia e segurança nacional. Deste processo participaram as universidades, em parceria com as grandes empresas dos setores de informática e comunicações, tais como a IBM e a AT&T, que juntas têm mais pesquisadores em engenharia e ciências exatas do que todo o Brasil, e foi dele que resultaram as bases da Internet tal como ela é hoje.
O Brasil dispõe de muito pouco tempo. Por esta razão, é vital que o debate sobre a Internet brasileira considere os mais amplos setores da opinião pública e leve em conta a importância estratégica da experiência adquirida pelas universidades e o setor de C&T como um todo no país.
O papel das empresas estatais de telecomunicações continuará sendo muito importante enquanto o país continuar com as enormes desigualdades de hoje, uma vez que a iniciativa privada só terá interesse nas regiões e municípios mais rentáveis. Entretanto, as estatais precisam entender que sua competência científica e tecnológica é muito pequena comparada com a de suas congêneres que operam as redes no Primeiro Mundo e, portanto, elas devem aumentar a parceria com o setor de C&T oferecendo a este condições especiais na utilização de seu sistema de telecomunicações.
Em resumo, o importante é estabelecer, imediatamente, um ambiente fértil de incubação de redes e não apenas definir quem vai operar o que, onde, por que e quando. Esta etapa será essencial para assegurar a qualidade da rede brasileira de informática do século 21.

Texto Anterior: Na geladeira; Enchendo o copo; Nota preta; No acostamento; Estrada livre; Contas a aparar; Troca de condutor; Cano oficial; Rolo estatal; Se
Próximo Texto: Presença dos EUA nas Américas só caiu
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.