São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Presença dos EUA nas Américas só caiu

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A visita de FHC aos EUA foi saudada lá e cá como o início de uma nova era. Estaríamos testemunhando a passagem a um novo patamar de relacionamento e até mesmo a superação de vícios e atritos "provocados pelo regime militar, corrupção e hiperinflação", segundo reportagem do jornal "The New York Times".
A observação das estatísticas básicas sobre o comércio dos Estados Unidos com o Brasil ou mesmo com toda a América Latina revela o quanto ainda precisa ser feito para que essa anunciada "nova era" seja realidade. O fato nu e cru é o oposto do marketing deslumbrado da semana passada.
Aos números, pois. Somente o México é digno de nota como parceiro dos EUA. O destino de 73% das suas exportações é o vizinho do norte. A origem de 71% das importações é a mesma.
Já os números para o Brasil são 23% para exportações e 21% para importações. Para as exportações da Argentina o mercado norte-americano representa cerca de 14% do total (contra 21% no caso das importações). O Chile exporta algo como 17% de sua pauta para os EUA, de onde importa 19%. Os dados referem-se a 1990 e serão publicados até o final do ano numa coletânea coordenada por Peter Smith, da Universidade da Califórnia, sobre integração econômica nas Américas e no Pacífico.
Os dados contrariam fortemente a idéia tradicional de que a América Latina é uma espécie de quintal da potência norte-americana, uma imagem curiosa que nada mais é senão herança do clima ideológico dos anos 50 e início dos 60.
Os dados sobre investimento direto norte-americano no exterior mostram como e porque o quadro mudou. Em 1950 os investimentos dos EUA na América Latina representavam quase 38% do total. Muito mais, à época, que o gasto em fábricas e projetos na Europa e na Ásia. Em 1970, entretanto, a participação do quintal latino no mapa dos investimentos dos empresários "ianques" caíra a menos da metade (ficou em quase 16%) e em 1990 a pífios 9,9%.
Não, os investidores dos EUA não seguiram o conselho dos nacionalistas latino-americanos ("yankees go home!", gritavam nas passeatas). Foram principalmente para a Europa e Ásia, regiões que somadas acolhiam em 1990 cerca de 75% dos recursos investidos por empresas dos EUA.
É importante notar que os quase 38% do investimento norte-americano em 1950 significavam aporte de US$ 4,4 bilhões, enquanto por trás dos "pífios" 9,9% de 1990 acumulavam-se US$ 41,8 bilhões.
Ou seja, os investidores não abandonaram o território latino e no Brasil, principalmente, a participação das empresas norte-americanas no PIB industrial continua sendo a de maior destaque, seguida pelas alemãs. Mas é inegável que o nosso pedaço do planeta apenas perdeu importância econômica ao longo dos últimos anos.
Assim, não é por acaso que Jorge Castañeda, o cético cientista político mexicano, alertou para o perigo de "africanização" da América Latina, numa analogia com o destino insalubre das ex-colônias européias que naufragam do outro lado do Oceano Atlântico.
Mudar esse quadro exigirá muito mais que retórica, marketing e habilidade com a língua inglesa.

Texto Anterior: Internet brasileira _ encruzilhada no espaço e no tempo
Próximo Texto: É hora de a MPB explodir
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.