São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um pouco de Sol para tirar o sal

PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

Um investimento de R$ 50 por pessoa poderia acabar com a sede no Nordeste.
Um pesquisador da Universidade de São Paulo projetou um aparelho capaz de tratar a água retirada do solo ressecado da região.
David Zumerkorn, 33, sob orientação de Murilo Fagá, uma das maiores autoridades nacionais na área de energia solar fotovoltaica (que produz energia elétrica a partir de luz), adaptou uma tecnologia bastante simples, existente há vários anos, que utiliza energia solar para transformar água salgada em água potável.
O invento, batizado de "dessalinizador Solar de Múltiplos Estágios", seria capaz de produzir cerca de 1,3 metro cúbico (1.300 litros) de água potável por dia, suficiente para suprir o consumo doméstico de uma população de 100 pessoas.
Zumerkorn, que importou e adaptou a tecnologia de Israel, explica que a principal vantagem do projeto é o seu processo simples e barato.
"O dessalinizador solar é ecologicamente viável, já que a energia solar é grátis e não causa nenhum dano à natureza", afirma.
Nesse ponto, o processo solar leva vantagem sobre as destilarias movimentadas pela queima de combustíveis fósseis, poluentes e consumidoras de recursos não-renováveis -no caso, o petróleo.
Além disso, essas destilarias custam caro -cerca de US$ 400 mil-, não indicadas para pequenas comunidades. Por outro lado, produzem quase cem vezes mais água que o projeto brasileiro.
"Por enquanto, a energia solar só pode ser aplicada a pequenos volumes", explica Zumerkorn.
Construído majoritariamente de alumínio ou aço inoxidável, metais não-corrosivos, o aparelho custaria de R$ 5.000 a R$ 7.000. O pesquisador diz que, com uma produção em massa, essa cifra cairia até R$ 3.000.
Zumerkorn afirma que 70% do aparelho poderia ser moldado em plástico, o que derrubaria seu preço para cerca de R$ 1.500. "O problema é que não existem moldes prontos", lamenta.
A grosso modo, os dessalinizadores funcionam baseados no mesmo princípio: o aquecimento de água salgada.
Com isso, ela evapora, deixando o sal para trás. O vapor volta a se condensar quando entra em contato com uma superfície fria, transformando-se em água pura.
O protótipo de Zumerkorn usa alguns truques para aumentar seu rendimento. O próprio conceito de múltiplos estágios -o processo é dividido em diversos tanques- é um deles.
Graças a esta idéia, a energia térmica do vapor de um tanque serve para aquecer a água do seguinte, que, por sua vez, condensa o vapor, transformando-o em água potável.
Outro artifício é o uso de uma "piscina solar", que pré-aquece a água salgada antes de esta entrar no dessalinizador. Devido à própria salinidade, o líquido mais quente permanece em seu fundo, atingindo altas temperaturas.
Segundo Zumerkorn, grandes piscinas já conseguiram atingir temperaturas de 96oC.
Como a água fica próxima do ponto de ebulição, ela se evapora mais rápido dentro do dessalinizador, aumentando seu rendimento.
O uso de elementos menos óbvios e baratos poderiam melhorar ainda mais o projeto.
Entre eles, Zumerkorn cita um compressor alimentado por células fotoelétricas -que transformam energia solar em elétrica-, que ajudaria a água a se transformar em vapor.
Isso encareceria bastante o aparelho, mas o pesquisador lembra que seu uso é absolutamente opcional.
A água é retirada do mar ou do subsolo -como no caso do Nordeste brasileiro- através de uma bomba movida por energia eólica (dos ventos), captada por um grande catavento.
Curiosamente, a água fornecida pelo dessalinizador deve ser misturada depois com uma pequena quantidade de água salgada, para que adquira as características ideais para consumo humano.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que a água ingerida por um ser humano tenha uma concentração salina de 100 miligramas por litro. O objetivo é repor os sais perdidos durante a transpiração.
Guerra
O processo de dessalinização já existe há muito tempo, especialmente em países com uma quantidade limitado de água potável disponível.
A mais antiga referência a respeito da produção de água potável utilizando-se energia solar data do século 18, no Chile, onde uma destilaria solar foi instalada na região de Las Salinas.
Depois de atingir seu ponto mais alto na década de 60, essa tecnologia perdeu a força nos anos seguintes, pois não conseguia competir economicamente com as destilarias à base de queima de combustíveis fósseis.
A falta de água em Israel, junto com a alta no preço do petróleo, fez com que o país se tornasse um dos mais desenvolvidos nesse tipo de técnica de obtenção de água potável.
A tecnologia energética solar está avançando rapidamente agora, em diversas áreas. Isso acontece, segundo o pesquisador, devido a seu baixo custo de produção e manutenção.
No Brasil, ela existe apenas em universidades, em modelos antigos, que servem apenas para pesquisas científicas.
Zumerkorn, que aposta na importância social do dessalinizador, está agora procurando verbas para aprimorar seu projeto.

Texto Anterior: Resistência à Aids pode ser natural
Próximo Texto: Quanto tempo vivem as borboletas?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.