São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Resistência à Aids pode ser natural

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ricardo Veronesi, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, elaborou meticuloso trabalho em que analisa os mecanismos naturais que tornam "privilegiados" certos grupos que, apesar de infectados pelo vírus da Aids (HIV positivos), resistem à doença de maneira total ou permanecem sãos durante longos períodos de pelo menos 10 a 15 anos.
Esses grupos são principalmente constituídos pelo pessoal médico-sanitário que lida com a doença, pelas prostitutas e pelas esposas ou parceiras de hemofílicos soropositivos.
Para explicar essa resistência, Jonas Salk apelou para mecanismos imunológicos mediados por células (linfócitos, monócitos, macrófagos) e mensageiros químicos (citocinas) que estabelecem comunicação entre essas células.
Compreende-se esse recurso à imunidade celular quando se nota que os doentes têm grande quantidade de anticorpos anti-HIV e apesar disso a infecção neles progride até o eventual desenlace.
Partindo desses fatos, Salk e colaboradores desenvolveram vacina constituída por pequenas doses de antígeno (vírus), as quais devem despertar os mecanismos de imunidade mediada por células.
Baseado na hipótese de Salk e em estudos, inclusive seus, sobre os grupos "privilegiados", Veronesi admite que, dentro de cinco e dez anos, metade da humanidade estará naturalmente imune ao HIV, o que naturalmente significará o autocontrole natural da pandemia.
Tem-se referido a existência de fatores desconhecidos do sistema imunológico que proporcionariam alta proteção aos grupos "privilegiados".
O mecanismo imunológico geral que garante proteção a essas pessoas, depende, para Salk, da ação de elementos do ramo do sistema imune mediado por células (o outro é mediado por anticorpos).
Linfócitos de certas espécies seriam sensibilizados por baixas doses do vírus contidas no esperma, na saliva e em outros líquidos orgânicos dos parceiros sexuais das prostitutas e das companheiras dos hemofílicos HIV-positivos.
O pessoal médico-sanitário se contaminaria pelo contato com esses fatores.
Veronesi alinha alguns fatos que, no seu entender, abonam a hipótese de Salk. Em primeiro lugar, cita a aceitação pelo FDA, que é muito rigoroso, de proposta de aplicação da vacina de Salk a 5.000 voluntários.
A seguir, vem a comprovação cada vez mais frequente de pessoas infectadas há 10 e 15 anos sem qualquer manifestação de Aids.
Outra prova é a freada, que se observou nos Estados Unidos e no Brasil, na curva ascensional da doença na ausência de anticorpos.
Várias outras razões compõem a significativa lista organizada por Veronesi, todas demonstrando a ação benéfica de elementos da imunidade mediada por células.
Deve estar ocorrendo, salienta o autor, gigantesca imunização natural em massa contra o HIV, à custa do vírus selvagem, atenuado ou não.
Essa imunização, dentro de cinco ou dez anos, poderá ter atingido metade da humanidade, deixando a Aids sob controle natural, como tem ocorrido em outras doenças epidêmicas ou pandêmicas.

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