São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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'México ensina cedo valores burgueses'

RAFAEL GUILLÉN VICENTE

Para começar, assinalamos que a filosofia é a luta de classes ideológica. Definir a filosofia como luta de classes na teoria é, antes de tudo, uma tomada de posição em filosofia, com duplo efeito:
a) Ela se dá desde o lugar da teoria marxista-leninista, ou seja, o materialismo histórico e o materialismo dialético.
b) Ela se dá frente às distintas concepções que, hoje, a burguesia implementou na filosofia.
O filósofo é aquele que tudo sabe porque só sabe que não sabe.
Chegando a este ponto, poderíamos oferecer algumas tentativas de resposta às problemáticas com as quais uma teoria das ideologias deve se confrontar.
A primeira diz respeito ao surgimento de uma ideologia proletária como discurso-prática política de classe. Em "O Capital", quando analisa a luta pela jornada de trabalho, Marx se refere ao que é característico da exploração capitalista: a força de trabalho como mercadoria. Esse é o núcleo forte da contradição entre capital e trabalho assalariado, que nem a mais dura dominação política e ideológica pode ocultar. Esse núcleo obriga os trabalhadores a manifestar-se na luta de classes.
As crises econômicas são essenciais ao capitalismo na medida em que remetem à contradição fundamental capital-trabalho assalariado e dependem da baixa tendencial da renda. Seus elementos genéricos estão sempre no interior do processo de reprodução ampliada do capital. As crises são uma concentração das contradições capitalistas e é esta que é preciso analisar.
Juan está de pé numa das filas no pátio, esperando a hora de entrar na sala de aula. Está na primeira disposição que o discurso do poder ordenou. Deve ficar de pé, parado, sem falar. Desde o início se reconhece como elemento passivo. A menor atividade será castigada. Juan deve aprender a distinguir lugares/situações (o sujeito inserido nas estruturas de poder se defronta continuamente com situações problemáticas que precisa resolver tomando seu lugar na dupla de sujeição, dominador/dominado. Este lugar se modifica segundo o "espaço" de poder onde se realiza e segundo as modificações mais gerais do processo de reprodução/transformação das relações sociais de produção).
"Há um lugar e um tempo para cada coisa": Juan deve guardar silêncio e compostura antes de entrar na sala; dentro dela, deve escutar atentamente o professor, trabalhar quando este mandar, deixar de fazê-lo quando este o ordenar. Se quer brincar, correr ou conversar, deve esperar pelo recreio; e mesmo ali deve submeter-se a determinados limites.
Assim o indivíduo assimila a ordenação espacial-temporal das atitudes que o discurso da classe dominante estabelece. O "há um tempo e um lugar para cada coisa" é o lugar no código básico da cultura onde a ordenação do espaço escolar adquire sua fundamentação. Lugar predominante, o código básico da cultura aparece como a região onde as diferentes práticas ideológicas encontram sua explicação; ali tudo encontra seu lugar. Constituído pelas práticas contraditórias -práticas de classe, em última análise-, o código básico da cultura as soluciona estabelecendo para aquelas que escapam à ordenação do discurso do poder o lugar da "anormalidade". Anormalidade passageira, que deverá terminar quando o indivíduo se reintegrar às constantes dos comportamentos que caracterizam o modo de produção capitalista.
A relação entre filosofia e educação se dá, no Estado mexicano, mediante livros didáticos, cuja concepção da transformação e do sujeito históricos serve para o Estado criar consenso sobre a necessidade de sua existência e da união de todos os mexicanos sem distinção de raça, credo, cor ou classe.
Esse projeto serve para fazer o operário escamotear sua consciência de classe e sua consciência da luta que trava contra o capital. É papel primordial da ideologia fazer com que essa dominação apareça ao indivíduo como sendo "natural" e "evidente".
A luta de classes não se restringe unicamente ao aspecto econômico estrutural, ela se realiza em todos os níveis e regiões da prática social, inclusive no nível filosófico e filosófico-educativo.
É precisamente aqui que se inscreve o projeto deste estudo: comprovar com textos aquilo que não pode ser comprovado, localizar em seu verdadeiro sentido as falácias da classe dominante.
"Existo, logo sou necessário", nos diz o Estado. Ademais, se estabelece uma caracterização do espaço onde esse discurso produz efeitos, a escola e sua articulação com a família.
Eu gostaria de concluir assinalando a importância de assumir uma posição política que possibilite "outra" estratégia discursiva, que abra "outro" espaço de produção teórica, que possibilite "outro" trabalho filosófico que não o meramente acadêmico. E é a prática política proletária a única que possibilita tudo isso. Pratiquemos a política, façamos teoria com política e política com teoria...

Tradução de Clara Allain

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