São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Queremos concorrência

JOÃO ROBERTO MARINHO

A velocidade da tecnologia e o surgimento da verdadeira aldeia global estão acelerando o futuro a um ponto tal que chega a confundir analistas e a levá-los a conclusões equivocadas, incompatíveis com a realidade do mercado e suas perspectivas.
Um bom exemplo foi a reportagem da Folha de S. Paulo do último dia 9 de abril, a começar pelo seu enfoque. Propôs-se a conceituar a situação da TV a cabo no país, quando o tema é necessariamente mais amplo: o que há a discutir é a TV por assinatura.
Canais de televisão que o consumidor só pode ver em casa mediante pagamento mensal custaram a entrar em funcionamento no Brasil. Esse atraso foi vantajoso. Favoreceu a sofisticação e o crescimento da indústria, pois desde logo os consumidores brasileiros tiveram à disposição múltipla escolha de tipos de serviço: o cabo, o satélite, o MMDS e o UHF codificado, estes dois últimos sistemas usados amplamente pela TVA, do grupo Abril.
Ora, o campo de opções elimina a figura do monopólio a que se referiu a reportagem, porque monopólio significa exclusividade. Monopólio não haveria na TV por assinatura ainda que um único grupo empresarial detivesse as operações de TV a cabo em todas as cidades brasileiras -hipótese absurda e absolutamente vedada pelo espírito da lei que rege o assunto.
Basta considerar que, se a reportagem se destinasse a analisar as operações em MMDS, concluiria, com semelhante imprecisão, que o "monopólio" seria do grupo Abril.
Num caso ou no outro, seria como acusar de monopolista um empresário de transporte de ônibus urbanos por operar em muitas cidades, desconsiderando o fato de que o cidadão poderá sempre escolher entre companhias de metrô, trens, táxi e até mesmo de outros ônibus.
No caso da TV a cabo, não caberia invocar sequer o número de clientes do suposto grupo monopolista; o serviço via satélite, por exemplo, pode atender simultaneamente a 100% do mercado; e existem no momento pelo menos sete projetos de satélite para atender ao mercado brasileiro.
Assim, o direito de escolha, num ambiente de diversidade de oferta, característica fundamental da TV por assinatura, é a chave do sucesso do negócio em todos os países onde foi implantado.
A televisão do assinante é verdadeira janela para uma imensidão de informações, entretenimento e opiniões. Ela oferece informações sobre a Tailândia ou o Brasil, através da CNN, da Globosat, do Telenotícias, da NBC. Ao mesmo tempo, pelos canais comunitários que se desenvolverão às centenas, a TV por assinatura tem condições de também exibir, por exemplo, o campeonato intercolegial da cidade.
TV paga é sinônimo de diversidade, o ideal do consumidor moderno.
O mercado brasileiro é, potencialmente, um dos maiores do mundo, mas ainda explorado aquém das suas possibilidades. Os maiores grupos de comunicação do planeta sabem disso muito bem. Canais por assinatura produzem fora do Brasil programas em português, já distribuídos para os pouco mais de 500 mil assinantes. Em dez anos, estes serão 6, 7 milhões. Dá para entender o aparentemente prematuro interesse em nosso mercado da Fox, da MGM, da Universal, da Paramount, do magnata Ted Turner, da Time-Warner, da USA Network, do Discovery Channel, da HBO, da TCI..., uma lista infindável.
É nesse ambiente de intensa competição que as Organizações Globo se apresentam como sempre: com profissionalismo e obsessivamente dedicadas a proporcionar satisfação ao público brasileiro. No momento, a concorrência se trava arduamente com o grupo Abril, pois o número de assinantes da TVA é equivalente ao da NET.
Com muito orgulho, nós e nossos profissionais, que estamos comemorando este ano os 70 anos do "Globo" e os 30 anos da Rede Globo de Televisão, nos atiramos aos desafios do próximo século com a mesma garra do começo, em 1925. Não tememos a concorrência, pelo contrário, nós a desejamos; ela nos excita, ainda que venha de grupos internacionais e maiores do que o nosso.
Cumpre chamar atenção, neste ponto, para uma perspectiva realista: se a competição entre grupos nacionais é saudável e favorável ao consumidor, não podemos esquecer que o mercado da mídia vem sendo um dos mais afetados pelo avassalador processo de globalização da economia.
O novo negócio é diferente do que vínhamos fazendo até hoje. Por isso, estamos aprendendo a organizar alianças nacionais e internacionais para catalisar seu desenvolvimento e abrir espaço para as produções nacionais nos canais por assinatura que operam fora do Brasil.
Não nos bastam, longe disso, os cerca de 20 mil empregos já criados entre nós por essa indústria, número citado em reportagem publicada nessa mesma Folha. No negócio TV por assinatura, grandes volumes e alta tecnologia são fundamentais. Por isso criamos a NET Brasil.
É uma prestadora de serviços para a compra de programação no exterior e know-how de tecnologia. Sua alta qualidade é reconhecida por pequenos e médios empresários do ramo no país inteiro. Trata-se de uma espécie de clube sem o qual os pequenos distribuidores -que poderão chegar em breve a mais de 5.000 no Brasil- nunca se viabilizariam; por intermédio dele o pequeno operador de cabo, filiado à NET Brasil, consegue comprar a bom preço programação brasileira e estrangeira. Assim atua também a TVA do grupo Abril.
Os meios de comunicação devem, portanto, dar a este assunto o tratamento abrangente e não-preconceituoso que ele exige. Do contrário, a visão pequena terá como consequência a má informação do público em geral, dos formadores de opinião e dos legisladores que precisam, todos, tal como nós, preparar o Brasil para um futuro tão desafiador quanto incerto -e que está batendo à porta.
Falo de riscos. Empresários brasileiros, do setor de comunicação ou não, precisam abandonar redomas confortáveis ou torres de marfim e -tal como fazem as Organizações Globo e o grupo Abril- enfrentar os riscos de ingressar nesse negócio tão promissor; o principal resultado do embate será o aperfeiçoamento da democratização dos meios de comunicação no país.
Tratemos todos de dinamizar esse mercado imenso, tanto quanto possível com capitais nacionais, criando empresas sólidas que negociem em pé de igualdade com as gigantes internacionais, absorvendo o que elas têm de melhor e mantendo viva, dinâmica e exportável a produção nacional, de modo que o único juiz da disputa seja o implacável consumidor.
Tudo, é claro, de acordo com a legislação em vigor e seus regulamentos, que vêm sendo discutidos há anos por todos os interessados -sociedade civil, empresários e governo- numa demonstração de fé democrática. Desse empenho tem decorrido um ambiente aberto e flexível; reconhece-se que acompanhar de perto é mais importante do que restringir, e assim evitam-se atropelamentos que possam advir da tecnologia em constante mutação.
Exigem-se serenidade e isenção. Insisto que é descabido falar-se em monopólio quando somos minoritários na maioria das empresas de TV a cabo e quando temos concorrentes não só nesta via de transmissão de TV por assinatura como também em outras vias, como satélite, MMDS e UHF.
Da mesma forma, na televisão convencional, não há como falar legitimamente em monopólio apenas devido à larga preferência que o público concede à Rede Globo em face das redes concorrentes.
Essa preferência muito nos envaidece, como reconhecimento da nossa capacidade empresarial e profissional, mas sobretudo quando recordamos que meu pai, Roberto Marinho, hipotecou há exatamente 30 anos todo seu patrimônio, resultado dos 40 anos de trabalho a que anteriormente se dedicara sem descanso no Globo, para com a recém-criada TV Globo enfrentar a todo risco na batalha da concorrência os "Diários Associados", o mais abrangente conjunto de empresas de comunicação jamais montado no país, além das demais emissoras de televisão então existentes.
Porque este foi e é o bom combate, o que se trava corajosamente, de peito aberto, com espírito construtivo e confiança no futuro do Brasil.

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