São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Florestan educador

DARCY RIBEIRO

Sou amigo e colega de Florestan Fernandes há mais de 50 anos. Nos fizemos etnólogos na Escola de Baldus, em São Paulo. Ele, para estudar os índios de 1500, através dos papéis que os cronistas escreveram sobre eles. Eu, para estudá-los ao vivo, no mato. Florestan fez obra admirável. Um de seus livros, sobre a guerra entre os Tupinambás, tem mais de 800 páginas. Suponho que só eu tive paciência de lê-lo. Ele nunca leu meus livros. Coitado.
Como voz do PT e da CUT na Câmara dos Deputados, Florestan nos surpreende por sua paciência para ouvir tantos imbecis falando de educação e com seu inesperado populismo. Não é que nosso eminente sociólogo decide deixar a educação brasileira aos cuidados de quem a pratica, como os donos de escola, professores, alunos e funcionários?
Seu Conselho Federal corporativista seria uma ação entre amigos, na qual nenhum educador teria voz. Florestan não se inquieta com o milhão de alunos do proletariado estudantil, que pagam caro para estudar, quase sempre à noite, em escolas péssimas, montadas para fazer lucros empresariais, enganando-os. Abandona-os à sua sorte.
O projeto de lei geral da educação elaborado na Câmara é um diploma de consolidação do sistema educacional que temos, em que a escola básica não alfabetiza, a média não ensina e a superior simula ensinar. Chegamos, por essa via, a fazer papel notável no mundo como o país que oferece a seu povo a pior educação. Pior até que a de Bangladesh. Congelar por lei esse sistema é um crime. Sobretudo neste tempo em que países como França, Argentina, Portugal e Espanha reformaram sua legislação para abrir as escolas à experimentação e utilizar a nova tecnologia educativa.
A lei de que Florestan gosta consagra o sistema educacional que herdamos da ditadura e entrega o comando das universidades ao aventureirismo das votações de alunos e funcionários.
Recentemente, Florestan escreveu dois artigos defendendo suas idéias educacionais. Neles se refere a minha atuação no Senado, visivelmente descontente com as propostas que apresento. Chega a questionar a legitimidade que eu tenha para entrar nesse campo.
Esquece-se de que fui eu quem, em 1962, como ministro da Educação, pus em execução a primeira Lei de Diretrizes e Bases. Esquece-se, também, de que criei e reformei importantes universidades, aqui e no estrangeiro, bem como centenas de grandes escolas primárias e médias. Orientei a preparação de duas dezenas de milhares de docentes, imprimindo-lhes as diretrizes pedagógicas que aprendemos de Anísio Teixeira e viemos desdobrando e atualizando.
O pior é que nosso Florestan não apresenta nenhuma idéia que se possa debater. Ocupa-se em chamar-me de caolho, de racionalizador na defesa de seus próprios fins, afirmando que estou armado de uma ambição compulsória que me cegaria para qualquer razão objetiva. Não estará trocando as bolas e as pessoas? Termina seu artigo acolhendo-se nos braços do vetusto Oliveira Vianna, como o luminar das boas práticas legislativas. Uma lástima.

Texto Anterior: Queremos concorrência
Próximo Texto: Truculência obrigatória;Tragicômico; Salário mínimo e o PMDB; Mau médico; Contra Giap; Retrato falado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.