São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Voando com pés no chão

COSETTE ALVES

Edson Celulari é ator em período integral. Contido, só se expressa com liberdade quando está protegido atrás de um personagem. Como em "Capital Estrangeiro", espetáculo que produziu e protagoniza, em cartaz no teatro Bibi Ferreira. Ele também poderá ser visto este ano na minissérie em 12 capítulos "A Decadência", com texto de Dias Gomes e direção de Roberto Farias

"A vida é ilusão. O teatro é real. Para conhecer a realidade é preciso fazer teatro. O mundo real tem três cores dominantes: o azul, o amarelo e o vermelho. O céu, o sol e o sangue. O mundo do teatro tem três verbos: dar, tomar e compartilhar. O autor dá sua obra, o diretor, os atores e toda a família juntos montam o espetáculo e a compartilham com o público. O teatro tem um quarto verbo -ousar".
(Francis Huster, diretor e ator de teatro francês)

Ouvi Edson Celulari falar de sua vida horas a fio. Ele é antes de tudo um artista apaixonado pelo teatro. Atuar é sua vocação e não o imagino fazendo qualquer outra coisa.
Edson chegou em casa numa tarde acalorada de domingo. Vestia impecáveis calças azuis escuras e uma camiseta branca, sacola preta no ombro. Parecia ter saído do banho. Quando o cumprimentei, senti um cheirinho de sabonete. Pinta de primeiro aluno, bem-comportado e limpo. Seu estilo -o politicamente correto- está na moda, aliás projeto americano importado para o Brasil pelo PSDB. Essa nova onda faz sucesso e significa: é possível viver sem afetação, excessos, com aparência e idéias simples. Ser politicamente correto requer competência, contenção, equilíbrio e sofisticação para atuar.
O Brasil e o mundo estão cansados de extravagância e exageros. Está na moda ser light sem deixar de ser profundo. Forte, mas sensível. Estar limpo é ser sexy e atraente. Acabou o tempo da barba por fazer, dos cabelos sujos e em desordem, de mulheres e homens mal-arrumados. O mundo -ou a platéia, no caso de Celulari- boceja diante da produção trabalhosa do desalinho. Dos disfarces grosseiros. Passou o tempo de se perder tempo para se desarrumar. Mas simplicidade requer enorme talento.
Apesar de os "antigos moderninhos" considerarem Edson careta, desinteressante e somente um galã, ele agrada e muito. Ainda que não fosse bonito, seria um grande ator. Talentoso, fala muito sobre a necessidade de se aprimorar e aprender mais.
É um perfeccionista. A sua vaidade só pode ser observada com muita atenção e é contrabalançada por uma grande dose de aparente modéstia e humildade. Edson não é nhenhenhém.
Versátil, faz comédia ou tragédia. Racional, contido, só no palco exprime livremente suas emoções. Mais que o teatro, diz que a música tem o poder de ultrapassar suas defesas.
Algumas vezes, seus olhos ficaram tristes e úmidos. Em outras, sorriram com esperança contagiante, quase juvenil. Apesar de tanta conversa, só o espreitei. Eu o ouvia, olhando nas suas pupilas e me pareceu que o verdadeiro Edson continuava invisível atrás das inúmeras camadas de personagens.
Ao redigir esta entrevista me perguntei: mas quem é esse rapaz bonito? É Calígula, Laertes, Eddi, Flamel?
De repente, entendi um pouco: Edson Celulari é um ator profissional. Que apesar de sua racionalidade e competência, ousa sonhar e acreditar nos seus sonhos. Sonha com os pés no chão. Miró, o pintor espanhol, disse que para poder voar é preciso ter os pés firmes no chão. Se for assim, Edson ainda vai voar mais alto em sua carreira.

Sonhando com os pés no chão
-Você acredita que pode conquistar a lua?
-O Calígula, de Camus, personagem que interpretei, diz que é impossível possuir a lua. Acho que o impossível é possível e tem que se descobrir qual é o caminho. Nesse sentido, posso possuir a lua.

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