São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Passado e presente

JANIO DE FREITAS

Os que estão falando no grande êxito da visita de Fernando Henrique aos Estados Unidos, ou não se lembram da visita feita por João Goulart quando presidente, ou sabem dela e não querem comparações.
Lá, era o governo Kennedy, cujo discurso progressista não o tornava menos temeroso de reformas sociais na América Latina e, em particular, no Brasil inesperadamente submetido ao governo Jango. As relações, porém, continuavam cordiais, na medida em que os governos americanos são capazes de cordialidade. Sob as aparências, as tensões eram grandes. Jango decidiu-se pela visita para atenuá-las. Ou, mais claramente, com a intenção de convencer que não era comunista, comunistóide, criptocomunista, nem estava a serviço do comunismo.
A visita e o retorno foram os momentos de maior euforia de Jango e do seu círculo, nos dois anos e meio de governo. Samuel Wainer, que se pretendia o estrategista de Jango, voltou convencido de que os americanos haviam entendido o reformismo janguista e de que os problemas, imediatos ou vislumbrados, como as nacionalizações da Light e de telefônicas, encontravam o caminho da compreensão mútua. A recepção americana foi, de fato, excepcional, considerando-se ser o hóspede precedente de um país secundário -como o Brasil continua a ser.
A revelação, mais tarde, de documentos diplomáticos então secretos mostrou, no entanto, que já naquela ocasião americanos se ocupam de estudos para reverter o movimento reformista no Brasil, a qualquer custo. E que a visita de Jango em nada alterou essa atividade.
O êxito verdadeiro da viagem de Fernando Henrique é anterior ao seu embarque e até à sua eleição: é que o governo americano não tem o que recear dele e do seu governo.
Fim saudável
Está prevista para hoje a votação de uma emenda constitucional que quebra um monopólio, mas nem por isso suscita oposição e problemas. É a que chamam de "flexibilização do monopólio do gás canalizado". Flexibilização é a palavra que o governo adotou para tapear desatentos. Trata-se mesmo é de fim da exclusividade, ou monopólio, que os governos estaduais mantêm na distribuição do gás encanado.
O gás de botijão é um atraso injustificável, em todos os sentidos. Pelo perigo que introduz nas casas, pelo trabalho que dá sua renovação, pela impossibilidade de controle pelo consumidor: testes autorizados indicam que dois, em cada três botijões, não têm a quantidade de gás paga pelo consumidor. Por fim, não há justificativa, nem remota, para que os Estados tenham exclusividade sobre o gás encanado.
Mas a regulamentação dos novos serviços de gás precisa ser meticulosa e rígida. Do contrário, logo virão o atendimento só às áreas muito mais lucrativas, os preços diferenciados, os aumentos sem mais motivos do que maiores lucros. Substitui-se um atraso por outro.
Imagem a perigo
Resultado, a primeira operação do Exército não deu, como não foi difícil prever por quem não estava explorando politicamente a violência no Rio. Mas guardou certa aparência de ação, embora mal pensada. A segunda operação, atual, foi precedida de largas manchetes, mas a inutilidade já não lhe basta.
A vaia pesada que soldados do Exército receberam em Ipanema, no sábado, levando-os a sair depressa da praia, deveria soar nos ouvidos comandantes como um toque de recolher enquanto é tempo. Escaldados pelo insucesso das espalhafatosas ocupações de favelas, na segunda operação os militares substituíram as incursões pela simples exibição de sua presença nas ruas. O "marketing" sem risco em lugar da ação sem êxito.
Acontece que o "marketing" tem risco: o do ridículo. E é a percepção dele que está prevalecendo à vista de um caminhão (ou vários) com soldados aparentemente preparados para uma grande guerra, mas fazendo apenas um passeio. Enquanto a violência dos assaltos se multiplica à sua volta.
Não há terceira hipótese: ou os militares entram no problema com ações resultantes porque inteligentes, ou sofrem um desgaste ruim para todos -exceto para a bandidagem. E exceto também para o governador Marcello Alencar, que nada faz porque está "cuidando só do problema da violência" e não cuida da violência porque os militares "entraram em ação".

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