São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Os dilemas do câmbio

LUÍS NASSIF

Ainda não há uniformidade no governo acerca das medidas de contenção do consumo. No final de semana, o ministro do Planejamento, José Serra, deu declarações contra a sinistrose em relação ao consumo. No domingo, seu colega Pedro Malan, da Fazenda, mostrou-se afetado pela sinistrose e anunciou as medidas anticonsumo para daqui a alguns dias.
No fundo, persiste o mesmo dilema conceitual que marcou a política econômica no final do ano passado. Por trás desse dilema, há visões distintas da economia, e interesses distintos sendo afetados por uma ou outra solução.
O ponto central de discussão é: como resolver a crise do balanço de pagamentos? Há dois pontos de vazamento: o mercado financeiro, através da fuga de investimentos, e a balança comercial, através do déficit comercial. E duas teses distintas para tratar a questão.
Economistas com visão industrialista -como Serra (mais contido, em função das restrições do cargo) e Delfim Netto, a mais influente voz econômica de fora do governo- defendem o ajuste cambial direto. Adicionalmente, limitações ao livre fluxo de capitais especulativos. E abominam medidas recessivas, que têm custo político elevado e desorganizam o emprego e a atividade produtiva.
Obviamente, é proposta que interessa de perto aos exportadores. Tem a vantagem de reduzir artificialismos, do tipo elevação de alíquotas de importação e imposição de cotas de importação. Melhora a rentabilidade do setor exportador, sem encarecer seus custos internos. Mas traz inconvenientes óbvios no combate à inflação e desgastes políticos intensos no momento decisivo da luta pelas reformas constitucionais.
Visão financeira
Já o eixo Pedro Malan-Gustavo Franco propõe o ajuste cambial pela via recessiva e nem passa por perto de controles administrativos sobre o fluxo financeiro de dólares.
O câmbio atrasado ajuda a manter os preços sob controle. O desaquecimento da economia reduz o ímpeto importador e libera produtos para exportação. Resolvendo-se o nó cambial do lado comercial (mesmo com óbvias sequelas recessivas), mantêm-se abertas as portas do fluxo financeiro.
É proposta que interessa diretamente aos grandes bancos de negócios e investimentos e não interessa, obviamente, ao setor produtivo.
Os defensores do método recessivo têm um argumento forte em favor da proposta. Parte expressiva do déficit do câmbio financeiro decorre de operações de importação com financiamento de mais de um ano. A ser verdade a informação, reforça-se seu argumento de que o desequilíbrio cambial está centrado especificamente no lado comercial.
Só que medidas recessivas na área de crédito não são de efeito garantido. De um lado, reduzem a demanda, ao tornar o financiamento mais difícil para os consumidores. De outro, afetam a oferta, ao aumentar a inadimplência de empresas e encarecer seu capital de giro.
A cada dia que passa, fica mais forte a sensação de que medidas de contenção de consumo e outras do gênero constituem-se em mero paliativo, visando dar algum fôlego ao governo, que permita postergar por mais algum tempo o ajuste inevitável no câmbio.

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