São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Texto de Saramago ganha versão operística

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Não é culpa minha nem do meu discreto ateísmo se em Münster, no século 16, como em tantos outros tempos e lugares, católicos e protestantes andaram a trucidar-se em nome do mesmo Deus -In Nomine Dei- para virem a alcançar, na eternidade, o mesmo Paraíso."
O irônico prefácio de José Saramago para sua peça "In Nomine Dei" ("Em Nome de Deus"), lançada no Brasil pela Companhia das Letras, infelizmente não faz parte de sua adaptação operística, "Divara - Wasser und Blut" ("Divara - Água e Sangue"-, do compositor italiano Azio Corghi.
Coro, solistas e orquestra da Ópera de Münster (Alemanha), sob a direção de Will Humburg, gravaram a peça para o selo alemão Marco Polo, e o disco está sendo trazido ao Brasil via importação.
Como nas óperas de Puccini, o título, Divara, corresponde ao nome da principal personagem, a mulher do profeta anabatista Jan Van Leiden, coroada "rainha" de Münster quando dos conflitos religiosos que se abateram sobre a cidade no século 16.
O sangue, obviamente, remete a estes conflitos, enquanto a água lembra a prática dos anabatistas de não aceitar o batismo das crianças e, por isso, rebatizar seus fiéis.
Sinal dos tempos de culpa que abatem o Ocidente, o tema -nada laudatório- foi escolhido pela cidade de Münster para celebrar seus 1.200 anos.
Corghi e Saramago, parceiros no libreto, trabalharam sob encomenda da cidade, e foi já pensando na ópera que o escritor português escreveu "In Nomine Dei".
A adaptação enxugou a peça. Não há na ópera, por exemplo, a profusão de coros com que Saramago originalmente povoou sua trama.
Mas as principais perdas ocorrem na tradução. A ópera é cantada em alemão, e os três tradutores, se procuraram ser fiéis semanticamente ao texto original, abandonaram completamente sua peculiar estrutura sintática. O resultado é uma prosa seca, rasa e sem ritmo.
Quanto à música, não é ocioso salientar que Corghi -cuja parceria com Saramago começou em 1990, com "Blimunda", adaptação operística do romance "Memorial do Convento" encenada no Scala de Milão-, embora italiano, sabe que o "bel canto" já morreu há muito tempo.
O compositor não se rende ao revival tonalista e faz música efetivamente "contemporânea".
Os profetas declamam o texto, não cantam. Mesmo o principal personagem cantante, Divara, utiliza sem parcimônia o recurso "Sprechensana" (canto falado).
Corghi também lança mão de "Leitmotiv" (motivos condutores) associados não apenas aos personagens principais, mas simbolizando o destino, Cristo e a morte. Nem todos os motivos são identificáveis à primeira audição.
Não há grandes árias, cenas solo ou duetos. A música evolui com a ação cênica, o que faz com que a ópera possivelmente funcione melhor ao vivo do que em disco. Quem não fala alemão deve ter problemas, já que, embora a trama seja explicada em inglês, o libreto não é traduzido.

Ópera: Divara - Wasser und Blut
Autor: Azio Corghi
Lançamento: Marco Polo (importado)
Preço: R$ 56 (os dois CDs, em média)

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