São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Pintura de Michalany padece da doença infantil do abstracionismo

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Seis Pinturas
Artista: Cassio Michalany
Onde: Gabinete de Arte Raquel Arnaud (r. Artur Azevedo, 401, tel. 011/883-6322, Pinheiros, zona oeste)
Quando: abertura hoje, às 19h; até 27 de maio
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 14h
Preço: R$ 6.000 (cada tela)

As seis telas de Cassio Michalany que o Gabinete de Arte Raquel Arnaud expõe a partir de hoje padecem de um mal comum: a doença infantil do abstracionismo.
As pretensões teóricas dos mestres abstratos -sobretudo o holandês Piet Mondrian (1874-1944) e o ucraniano Kasimir Malevitch (1878-1935)- são muitas vezes confundidas com seus extraordinários resultados artísticos.
Eles pregavam uma arte desvinculada da realidade, preocupada exclusivamente com formas e cores. Malevitch falava em "sensibilidade plástica pura"; Mondrian, em "valor absoluto da cor".
Mas pureza e absolutismo estão mais para ficções intelectuais do que para realidades concretas. Não há como negar a musicalidade da pintura de Mondrian nem a religiosidade da de Malevitch.
Uma arte muito abstrata cai para o esquemático ou o decorativo. O caso de Michalany, 46, é o primeiro. Sua pintura sofre de um desejo de neutralidade que na verdade termina como carência estética.
Cada tela traz três faixas verticais -branca, preta e azul-claro- pintadas com esmalte sintético. A diferença entre elas está na sequência das cores e largura das faixas. Elas não se repetem; são variações desse padrão.
A divisão entre as faixas não existe só no esmalte, mas também na tela (é como se cada quadro tivesse três telas justapostas).
No conjunto, com essas áreas de cor neutras, geometricamente separadas e homogeneamente pintadas, tudo é estático.
Mas para o crítico Rodrigo Naves, no texto vaporoso que escreveu para o catálogo da exposição, é isso que "nos libera para a compreensão das relações entre as cores, e não de seu simbolismo".
Aí está a doença infantil do abstracionismo. Não há símbolos, não há referências ao real; logo, o que importa não é "o aspecto pouco artístico" das obras de Michalany, mas sua execução técnica "difícil de alcançar", diz Naves.
Mas ele próprio passa em seguida a alinhar uma série de sugestões que "essas superfícies de cor impessoais" lhe provocam, em especial "a alegria das confraternizações de fim de tarde" e "as ilusões imprescindíveis: férias na praia, o melhor amigo" etc.
Ora, a questão é: se essas cores são impessoais, como podem abrigar tantas sugestões poéticas? Não podem. Ou por outra: podem tanto quanto qualquer arranjo formal de cor. Basta fantasiar.
Mas, se damos valor à justiça intelectual e pensamos no prazer que as cores de um Matisse (1869- 1954) ou Mondrian dão, concluímos que só pode enxergar tais sugestões na asséptica pintura de Michalany quem nasceu agora, não viu o mundo e ignora passado.
O prazer que ela oferece, se for prazer, é rudimentar.

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