São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Pacto sinistro

Na edição de domingo, a Folha trazia um impressionante dossiê sobre as chacinas que vêm ocorrendo na Grande São Paulo. Enquanto os jornais ainda eram distribuídos, acontecia mais um terrível massacre no município de Franco da Rocha, que tornou os números apresentados na reportagem dominical ainda mais preocupantes.
No ano passado, registrou-se uma média de 2,33 chacinas por mês. Neste ano, com a nova matança, a cifra já chega a 4,00. Mais grave ainda, 25% das vítimas desses torpes homicídios têm menos de 18 anos e a maioria delas jamais teve problemas com a polícia, diferentemente do que muitas autoridades gostam de afirmar.
De esquadrões da morte a "justiceiros", passando por brigas entre gangues rivais, assiste-se a cada semana a mais e mais pessoas morrendo em consequência da ação de homicidas. E isso é intolerável.
Mesmo que o uso ou o tráfico de entorpecentes seja um elemento presente em boa parte dos casos, nada justifica que seres humanos -tendo ou não cometido qualquer espécie de delito- sejam simplesmente exterminados. E pior, dos 16 massacres verificados, em apenas três a polícia foi capaz de apresentar investigações conclusivas.
Autoridades afirmam que encontram dificuldades na apuração dos casos devido à relutância de testemunhas em identificar agressores. Estas calam-se por temer represálias; afinal, como a polícia não age, os assassinos continuam à solta para "queimar arquivos".
Nesse ciclo vicioso, a vida vai perdendo valor. A cada chacina, deixam de existir Déboras, Samuéis e Pedros, que se transformam em números sem face e sem alma, em estatísticas policiais.
É preciso pôr um fim a isso. É necessário que as autoridades policiais não só melhorem seu desempenho nas investigações como também sejam capazes de realmente proteger testemunhas, rompendo esse fúnebre pacto do silêncio.
O Rio de Janeiro leva hoje a fama de ser a cidade mais violenta do país. Os cariocas ao menos tiveram a coragem de protestar contra a barbárie, seja pedindo o auxílio das Forças Armadas, seja por meio de movimentos como o Viva Rio. São Paulo, cujos índices de violência são tão preocupantes quanto os cariocas, continua calada, funestamente calada.

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