São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Alienação tentadora

ANDRÉ LARA RESENDE

A inflação continua baixa, mas há razão para se preocupar. Não que haja qualquer sinal iminente de nova explosão da corrida dos preços. Os sinais ainda são sutis, mas estão inequivocamente presentes.
Antes de mais nada, a economia está superaquecida. Todos, rigorosamente todos, os indicadores confirmam. Discute-se se esse superaquecimento já estaria ou não por se reverter; se as medidas já tomadas pelo governo, como as restrições ao crédito e a bateria de depósitos compulsórios exigidos do sistema bancário, já seriam suficientes.
Segundo alguns, a gradual desaceleração da demanda e do nível de atividade já estaria em curso. Qualquer medida adicional correria o risco de exceder a dose e provocar uma recessão.
Há uma certa dificuldade em entender que o ritmo do nível de atividade possa dar margem a preocupação. Afinal, aumento de demanda, de vendas, significa maiores lucros, mais empregos e melhores salários, depois mais investimentos, novos empregos... Quem poderia ser contra? Os economistas, é claro. Os competentes, pelo menos, aprenderam que as possibilidades são limitadas, que existem restrições orçamentárias.
Toda tentativa de extrapolar os limites do possível tem custo. Num primeiro momento -talvez infelizmente- os limites parecem expansíveis, tolerantes. Em seguida -com certeza infelizmente- somos trazidos à dura realidade das nossas possibilidades com multa e juros de mora.
Os limites do longo prazo são dados pelo crescimento da produtividade do capital e do trabalho. Investimentos, incorporação de novas tecnologias e, sobretudo, educação são as verdadeiras e únicas formas de expandir a fronteira do possível. Por algum tempo, entretanto, é sempre possível sacar a descoberto contra o futuro, e via aumento de gastos públicos, política monetária passiva e aumentos de salários. Combinação tentadora, sem dúvida.
A grande dificuldade em compreender e aceitar toda sorte de restrições -e a do orçamento do setor público em particular- introduz o viés inflacionário que, a princípio, não parece ser um custo excessivo para se andar em marcha forçada. Artificialmente forçada.
Numa economia aberta, o recurso às importações para complementar a produção doméstica, insuficiente durante a euforia, pode estender o período de ilusão. A conta vem depois, inevitavelmente, redobrada. A restrição das contas externas é implacável.
Desde os anos 50, só as crises de balanço de pagamentos levaram a tentativas de estabilização. A descoberta da indexação, a partir de 68, deu novo fôlego à fantasia de que a conta poderia ser sempre adiada.
Diante do aumento dos preços de petróleo, enquanto o mundo todo procurava se ajustar, defendia-se a tese da ilha de prosperidade. Foi preciso a crise da dívida de 82 -o balanço de pagamentos, sempre ele- para que se voltasse à realidade. Mas a válvula de escape da alienação continuou aberta: foi a política monetária americana que elevou os juros, o México que quebrou e provocou a retração dos credores...
O México quase quebrou de novo. É claro que não somos o México. Até porque não nos deram tempo de levar os erros tão longe. Demoramos muito para sair da última crise e quando chegamos a festa já tinha terminado. Mas corremos riscos semelhantes. Estar consciente é fundamental, mas não basta. É preciso agir já.

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