São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 1995
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Um novo modelo para a exploração de petróleo

ALBERTO GOLDMAN

O modelo atual de exploração das atividades petrolíferas não responde mais às necessidades do país, particularmente com a retomada do crescimento econômico.
Seja pelos problemas gerenciais da Petrobrás advindos da manipulação política, da ação corporativa e dos interesses privados que giram em seu entorno -como consequência de seu gigantismo, reserva de mercado e especialmente da falta de supervisão da União (a Petrobrás tornou-se o próprio monopólio, não apenas seu executor)-, seja pelas dificuldades em obter os recursos necessários para investir em projetos essenciais para o país -auto-suficiência de produção, ampliação de refinarias, mudança da matriz energética com ampliação do uso do gás natural etc...-, somos obrigados a repensar o modelo de exploração dessa forma de energia estratégica para o país.
Aliás, estratégico não é o monopólio da Petrobrás. Estratégico é o produto petróleo. Estratégico é o conhecimento de sua presença (localização, volume) em nosso território e a capacidade de podermos decidir sobre ele e sobre seus derivados de acordo com os interesses nacionais.
Em outubro de 1953 foi aprovada a lei 2.004 que, em seu artigo 1º, estabeleceu que "constituem monopólio da União" a pesquisa, lavra, refinação do petróleo e o seu transporte marítimo e por condutos, inclusive derivados.
Em seu artigo 2º, a lei definiu que o monopólio seria exercido por meio do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), com a finalidade de dirigir as diversas fases da operação petrolífera até a distribuição dos derivados, e por meio da Petrobrás S/A, como órgão de execução. Isto é, o CNP seria o órgão governamental das decisões estratégicas e a Petrobrás seria a operadora, submetida àquele conselho.
A Constituição de 1988, ora em vigor, repetiu, basicamente, no caput do seu artigo 177, o artigo 1º da lei 2.004 sobre o que constitui monopólio da União e acrescentou um parágrafo, impedindo qualquer participação privada "de risco" e vedando à União "ceder ou conceder qualquer tipo de participação na exploração do petróleo ou gás natural".
Dessa maneira o monopólio, em vigor por 35 anos, tornou-se, em 1988, matéria constitucional. Ironicamente admite-se que o setor privado possa fornecer obras, equipamentos e serviços à Petrobrás ou à União, desde que não seja sob a forma de investimento de risco, uma demonstração inequívoca de como funcionaram (e ainda funcionam) os "lobbies" corporativos incapazes de aceitar seus interesses subordinados ao interesse nacional.
A recente proposta de emenda à Constituição nº 6 de 1995, apresentada pelo Poder Executivo e em discussão no Congresso Nacional, que tanta celeuma tem levantado e que vem sendo usada como se fosse uma ameaça à soberania nacional e à existência da Petrobrás, mantém, integralmente, o texto do caput do artigo 177, vale dizer, o monopólio da União, e substitui o parágrafo citado, estabelecendo, na nova redação, que a União poderá contratar com empresas privadas a realização das atividades mencionadas como seu monopólio, conforme uma lei regulamentadora.
De fato, aprovada a PEC nº 6, continua vigorando a lei 2.004 e mantém-se o próprio conceito de monopólio no texto constitucional. Apenas abre-se a possibilidade de um novo modelo, sob o comando da União permitindo também a participação de investimentos privados de risco, desde que uma nova lei promova modificações na lei 2.004.
Lei esta que, inevitavelmente, seja por razões do próprio processo legislativo (vamos impedir que possa ser "baixada" por medida provisória), seja por razões políticas, será amplamente debatida por toda a nação. Sem qualquer concessão de "cheque em branco" ao governo.
O novo modelo terá de retomar o próprio conceito -que o tempo e a dimensão econômica e política que a Petrobrás adquiriu fizeram apagar- de que o petróleo é propriedade da União e, portanto, de todos nós, não da Petrobrás, e que esta deve se submeter ao planejamento, controle e fiscalização da entidade governamental reguladora que a lei determinar.
Deverá estabelecer as condições para a participação privada no setor e as responsabilidades da Petrobrás, que continuará sendo a principal operadora do setor de petróleo no país, competindo ou se associando com capitais privados, como vem fazendo, no país, no setor de distribuição e, no exterior, em vários setores.
A Petrobrás é patrimônio nacional. Da nação, não de alguns brasileiros. Devemos torná-la mais produtiva, mantê-la como elemento regulador do mercado sem dispensar o necessário e desejável investimento privado. Sempre sob o controle -a empresa e os capitais privados- do governo federal e do povo.
Fomos capazes de construir uma grande e vitoriosa empresa. Seremos capazes de construir instituições suficientemente fortes para implantar este novo modelo.

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