São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
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A boa poupança se faz em casa

HENRIQUE SARAIVA

O Plano Real decolou, e bem, diga-se de passagem, rumo a um horizonte de estabilização monetária que não enxergávamos há décadas, trazendo crescimento na produção e no emprego. O presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito, e bem, diga-se de passagem, nos braços de uma coalizão política com uma extensão nunca dantes vista na história da República. As reformas estruturais necessárias à construção de um desenvolvimento sustentado, sob a égide da tríade modernizante -desregulamentação, liberalização e flexibilização - navegam para um bom porto, fortemente amparadas na crescente compreensão da opinião pública. Em síntese, tudo indica que a bonança voltou a sorrir à nossa porta.
No entanto, como quem trabalha com seguro tem, vocacionalmente, uma aversão maior ao risco, convém chamar a atenção para um indispensável "hedge" aos ventos de prosperidade. Essa proteção, na verdade, está na raiz do sucesso e atende pela palavra investimento. Sua viabilidade é razão direta de duas variáveis, não excludentes, mas igualmente necessárias: credibilidade e aumento na formação da poupança financeira bruta. O primeiro ingrediente parece que começa a dar paladar à mistura. Com relação ao segundo, carecemos, em ordem crescente, de melhor definição da receita e quantidades razoáveis do tempero.
O nó górdio da questão dos investimentos é que os recursos necessários para fazer frente ao desafio de prosperidade do Plano Real são enormes. O próprio programa de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso -"Mãos à Obra, Brasil"- dimensiona em US$ 100 bilhões o montante necessário para revitalização da infra-estrutura, no período de quatro anos de sua gestão. São números que saltam aos olhos, mas que parecem conservadores na hipótese de uma simulação do resgate da taxa de formação bruta de capital fixo aos níveis da década de 70. Nos últimos anos, a formação de capital fixo agonizou no intervalo entre 14% e 17% do PIB (Produto Interno Bruto). Precisaríamos, no mínimo, trazê-la para o patamar dos 22% ao ano. Afinal, queremos ou não que o país cresça acima dos 7%? Se a resposta é afirmativa, estamos falando de investimentos de mais de US$ 200 bilhões em quatro anos. Isso só para que nosso sistema de transporte, energia e telecomunicações aguente o tranco dessa gente que quer mostrar o seu valor.
O programa de governo de FHC deposita grande esperança de que as agências financeiras internacionais, os bancos privados, os investidores institucionais e o "big business" transnacional complemente uma parcela expressiva das necessidades de investimento. Mais do que certo, certíssimo, pois em economias globalizantes e competitivamente integradas o desenvolvimento somente se realiza com a capilaridade dos capitais. No entanto, essa eterna mania da profissão seguradora de antever riscos nos faz trazer à tona uma pequena interrogação submersa: o controle inflacionário, produto, em primeira mão, da estabilização monetária, não estaria mais seguro com a crescente geração de poupança interna, que não exige contrapartida de emissão de moeda nem condicionalidades extremamente rígidas de comportamento cambial?
A melhor e mais segura carteira, reza a primeira lição do manual do investidor, é aquela bem diversificada. O investimento externo é sempre bem vindo. Mas uma composição equilibrada do mix de recursos é indiscutivelmente mais saudável. A poupança está aqui mesmo, não dependendo de nenhum "toque de Midas" para que se agregue em torno da geração de renda e prosperidade. Estamos falando do potencial explosivo de produção de riqueza e realização de investimentos dos chamados investidores institucionais. Leia-se, especialmente, previdência social e seguros.
Um recente estudo elaborado pelas consultoras McKinsey e Delphos para a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização -Fenaseg- estima que, apenas com a substituição do regime de repartição pelo de capitalização, a geração de reservas do setor de seguridade social saltaria dos US$ 16 bilhões previstos para 1995 para US$ 270 bilhões em 2005, ou seja, algo em torno de 30% de um Produto Interno Bruto estimado, em projeto, em US$ 890 bilhões no primeiro quinquênio do novo século. Só o setor de seguros, isoladamente, pode carrear mais de US$ 6 bilhões por ano. Já em 1995, apenas com a realização do dever de casa macroeconômico, ou seja, a queda da inflação, a liberalização das importações e a retomada da atividade produtiva, o setor segurador deverá dobrar sua participação histórica no PIB, de pouco mais de 1%. Esse resultado é apenas um antepasto na expectativa do prato principal de privatização, desoneração fiscal e desregulamentação prometido pelo governo.
É claro que não temos a pretensão de ter descoberto a pedra filosofal e nem estamos propondo isoladamente ao vencedor -no caso, o governo- "as batatas". Há desafios enormes e derivativos para toda a comunidade da indústria de investidores institucionais. Esse complexo ser da fauna investidora somente anda perfeitamente apoiado nas suas quatro patas: o governo, por suposto, as seguradoras, os corretores e, finalmente, o consumidor. Cabe às seguradoras se modernizar administrativamente, aumentar a produtividade e reduzir o preço de suas apólices, buscando a democratização do setor e a instauração de uma cultura de seguro de massa.
Cabe aos corretores, cujo papel é indispensável e insubstituível na intermediação junto ao cliente, um crescente aprimoramento de informações e conhecimento do produto, visando assim tornar-se um efetivo consultor capaz de atender a demandas cada vez mais seletivas e exigentes. Finalmente, cabe ao consumidor impor sua benquista tirania, cobrando mais, mais e mais de todos.
A cultura de seguros pode e deve disseminar-se por toda a sociedade. Existem fronteiras ainda não atingidas, tais como o resgate da economia informal, a associação direta com o chamado "terceiro setor" -instituições de utilidade pública, sem fim lucrativo e com interação de toda a cidadania- e mesmo na participação dos trabalhadores no lucro das empresas. O dinheiro para os novos investimentos virá daqui mesmo.
Afinal, como dizem os japoneses, a boa poupança se faz em casa.

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