São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Arturo Ripstein reinventa o melodrama

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os organizadores da mostra "Cinema Latino-Americano: Os Próximos Cem Anos", que ontem teve início no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, cometeram uma mancada ao programar sessões de filmes na mesma hora dos debates. Quem quiser ver, por exemplo, o filme mexicano programado para as 18h30 de hoje, perderá o debate estrelado por Gabriel García Márquez, Antonio Callado e Fernando Birri, e vice-versa. E o filme mexicano não é de se jogar fora. "La Reina de la Noche", substituindo em cima de hora "Principio y Fin", também traz a assinatura de Arturo Ripstein, atual xodó da critica parisiense.
E agora, com licença, um flashback.
Nova York, novembro de 1979. José Lewgoy me arrasta até a frente de um cinema, nas cercanias da Broadway, frequentado por chicanos. Em cartaz, "La Viuda Negra", com Isela Vega, aquela siliconada cucaracha de "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia". Embaixo do título, uma advertência: "Despues de ver esta película usted necessitará del alivio de la confession" (depois de ver este filme, você necessitará do alívio da confissão). Lewgoy arrastava até lá seus amigos só para rir daquela hilariante advertência. Eu devo ter sido o quarto ou quinto. Lewgoy nunca se deu ao trabalho de comprar um ingresso e ver o filme, o que muito deve ter intrigado a bilheteira do cinema.
Nem Lewgoy nem seus amigos desconfiavam que "La Viuda Negra" era um filme a ser visto. No mínimo por estar proibido em seu país de origem. Produzido em 1977 e contando as peripécias amorosas de uma governanta com um padre, só em 1983 foi liberado pela censura mexicana. Hoje, a principal razão para vê-lo seria seu autor, Arturo Ripstein.
Com 51 anos e uma carreira que se iniciou cedo, à sombra do pai, o produtor Alfredo Ripstein Jr., Arturo foi ator secundário, assistente de Luis Buñuel em "O Anjo Exterminador", e debutou como diretor, em 1965, cavalgando um bangue-bangue escrito por Gabriel García Márquez, "Tiempo de Vivir", mais tarde refilmado por um colombiano. Pertence à mesma geração de Paul Leduc, Jaime Humberto Hermosillo e Felipe Cazals, mas demorou a ser descoberto além das fronteiras mexicanas -feito, aliás, a ser creditado a um brasileiro, Paulo Antonio Paranagua, crítico da revista "Positif".
Com Ripstein, o melodrama, tão querido dos mexicanos, ganhou novas feições. Não mais exalta a família, a pátria, a religião e os valores de uma certa burguesia. Em seus filmes, as famílias são desagradáveis e desumanas, a religião opressora, os valores burgueses desprezíveis. Ripstein investiu, como Douglas Sirk, no lado obscuro do gênero. Outra novidade dele foi ter inventado o filme de mariachi sem mariachi. Verdade. Basta ver "La Reina de la Noche", que conta a historia de Lucha Reyes, diva dos "mariachis" nos anos 30 e 40.
Lucha, interpretada por Patricia Reyes Spindola (dublada, nas cenas musicais, por Betsy Pecanin), não é personagem de ficção. Ela foi uma espécie de Frida Kahlo da música popular mexicana, uma glória nacional, a primeira a exprimir-se numa esfera de dominação masculina, a maior responsável pela cosmopolitização (ou bolerização) da música rancheira. Paz Alicia Garciadiego, há dez anos companheira e roteirista fixa de Ristein, fixou-se sobre meia dúzia de fatos da vida da cantora, preferindo valorizar seu inferno familiar. A personagem-chave do filme é a mãe carola e dominadora de Lucha. Nos melôs de Ripstein, sombreados por afetos possessivos e destruidores, a mãe é, quase sempre, a fagulha da fatalidade.
Revelado no Festival de Cannes do ano passado, "La Reina de la Noche" faz a ponte entre "La Mujer del Puerto" (terceira versão do conto de Maupassant rodada no México) e "Principio y Fin", melo familiar baseado num romance do egípcio Naguib Mahfouz, dois pilares da melodramaturgia ripsteiniana. Além desses e García Márquez, Ripstein já adaptou também o alemão Heinrich von Kleist ("La Seduccion", 1979) e filmou um argumento de Juan Rulfo ("El Imperio de la Fortuna", 1986). Ninguém pode acusá-lo de não ser pretensioso.

Ciclo: Cinema Latino-Americano: Os Próximos Cem Anos 18h30
Filme: La Reina de la Noche
Direção: Arturo Ripstein
Produção: México, 1993
Onde: Centro Cultural do Banco do Brasil (rua Primeiro de Março, 66, centro do Rio)
Horário: 18h30

Texto Anterior: Novo disco de Michael sai dia 20 de junho
Próximo Texto: Placido Domingo mostra recital sem força indômita
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.