São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
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Atriz foi a melhor parceira de Astaire

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

"Cigarette me, my boy". Foi pedindo a um marmanjo que acendesse o seu cigarro que ela estreou no cinema, numa comédia, "Inconstância" (The Young Man From Manhattan), rodada em 1930 no velho estúdio Astoria, em Queens, Nova York. Ginger Rogers, nascida Virginia McMath, mal completara 19 anos. Ainda teria de esperar mais três anos e 19 aparições na tela para se consagrar como a "partner" número um de Fred Astaire, sua suprema glória cinematográfica, mas já era uma veterana do "show business".
Sua precocidade -aos cinco, fazia comerciais em Kansas City, aos seis, desembarcou em Hollywood, aos 14, dançava no Texas- foi capricho de sua mãe, Lela Rogers, roteirista da Fox, mulher esperta e reacionaríssima, que no auge do macarthismo envolveria a filha na caça às bruxas. A história das duas daria um filme bem mais excitante que a de todas as outras meninas prodígios do cinema.
O cinema foi o coroamento de uma carreira lapidada no palco, sapateando e cantando (foi "crooner" das bandas de Eddy Lowry e Paul Ash), cujo clímax se deu na Broadway, com as bênçãos de Gershwin. Ao vê-la roubando a cena em "Girl Crazy", um mandachuva de Hollywood providenciou um contrato, que rendeu à serelepe loura do Missouri quase uma dezena de pequenos papéis em comédias ligeiras, algumas musicais, só duas delas ("Rua 42" e "Cavadoras de Ouro de 1933") com passaporte para a posteridade.
Na RKO, e não na Warner, estabeleceria o seu reinado. Nos braços do rei da dança, Fred Astaire, com quem formou a mais famosa e perfeita dupla de bailarinos do cinema. Perfeita porque complementar. O que um não tinha, o outro dava. "Ele entrou com a classe e ela com o sexo", resumiu à perfeição Katharine Hepburn. Fizeram juntos, em seis anos, nove musicais, embalados por canções de Irving Berlin, Cole Porter e outros gênios do ramo: "Voando Para o Rio", "A Alegre Divorciada", "Roberta", "O Picolino", "Nas Águas da Esquadra", "Ritmo Louco", "Vamos Dançar", "Dance Comigo" e "A Vida de Vernon e Irene Castle". Quando se separaram, foi como se o Sol perdesse a Lua, para usar a imagem de Arlene Croce, autora de um livro sublime sobre a dupla.
Ginger sofreu um bocado nas mãos de Fred, sobretudo durante os ensaios. Mas o exasperante perfeccionismo do dançarino não foi a causa principal da dissolução da dupla, reatada dez anos depois em "Ciúme, Sinal de Amor". Ginger tinha outras ambições. Queria exibir seus dotes artísticos sem a sombra de ninguém. Teve sorte de pegar alguns dos melhores diretores de comédia da época, como Gregory La Cava ("No Teatro da Vida"), George Stevens ("Que Papai não Saiba") e Garson Kanin ("Mãe por Acaso"), mas foi em outra clave que tirou a prova dos nove de sua versatilidade em "Kitty Foyle", de Sam Wood, pelo qual ganhou um Oscar em 1940.
Vários mestres aprimoraram o seu histrionismo. Além dos citados, merecem destaque Billy Wilder ("A Incrível Susana"), Leo McCarey ("Era uma Lua-de-Mel"), Mitchell Leisen ("A Mulher que não Sabia Amar"), Frank Borzage ("No Limiar da Glória") e Howard Hawks ("O Inventor da Mocidade"). À medida que envelhecia, perdia o viço e trocava de marido (casou-se cinco vezes), as ofertas de bons papéis foram escasseando, obrigando-a a aventuras, por sinal bem-sucedidas, no palco, onde brilhou substituindo Carol Channing em "Hello Dolly" (1965) e estrelando a versão londrina de "Mame" (1969).
Não se despediu do cinema com a dignidade merecida. Era apenas a dona de um bordel em "Quick, Let's Get Married", que, de tão chinfrim, demorou seis anos para ser lançado, em 1971. Nem chegou ao Brasil. Sorte dela. E nossa.

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