São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
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A farra da inteligência

ANTONIO DELFIM NETTO

Orçamento e ficção
Acreditamos que existe hoje uma avaliação muito positiva sobre a excelência da atuação da Secretaria do Tesouro Nacional. É lamentável que futricas políticas sugeridas pelo comportamento desastrado do ex-ministro Ciro Gomes ponham em dúvida os seus números.
O último comunicado para a imprensa, divulgado por aquela secretaria no dia 18 deste mês, apresenta o resumo das contas do Tesouro Nacional no primeiro trimestre do ano. Ele é preocupante não pelo que revela (um déficit de R$ 1,5 bilhão), mas pelas perspectivas que sugere. O relativo equilíbrio das contas da União tem sido obtido por um árduo e competente trabalho de controle da caixa, mas as contradições da política econômica mostram que ele será cada vez mais difícil.
O recente aumento da taxa de juro para sustentar uma taxa de câmbio artificial, por exemplo, certamente continuará a pressionar as despesas. E mais grave do que isso, a sugerida (e necessária) redução do ritmo de atividade para controlar a demanda global e restringir as importações (outra consequência da taxa de câmbio artificial), quando efetivada, irá afetar também a receita. Por outro lado, enquanto um ministério fala em reduzir a demanda, outro fala em aumentar os investimentos, praticamente todos eles financiados com déficit.
O quadro abaixo mostra a penosa situação do Tesouro no primeiro trimestre de 1995 (em bilhões de reais):
A. Receita tributária bruta 18,59
Transferência p/ Estados + municípios4,40
Despesas vinculadas1,53
Receita livre12,66
B. Despesas privilegiadas
Pessoal9,13
Encargos da dívida2,27
Outros gastos0,92
Total12,32
C. Recursos livres0,34
D. Receitas financeiras0,86
E. Receita disponível1,20
F. Gastos com custeio e investimento2,75
G. Déficit de caixa(1,55)
O déficit foi financiado com um aumento da dívida mobiliária do Tesouro (2,24 bilhões), menos as variações da posição junto ao Banco Central.
O que se vê é que, somando os recursos tributários livres às receitas financeiras da União, cobriu-se apenas metade do ridículo montante de custeio e investimento. Como é óbvio, com tal disponibilidade de recursos, não reporemos sequer a depreciação dos equipamentos públicos. O que faremos do "custo Brasil"? Isso certamente mostra a necessidade de privatizar, mas mostra também que as despesas privilegiadas não-constitucionais, mas que não estão ao alcance do controle do Tesouro, chegam a 97% da receita livre. A folha de pagamento do funcionalismo dobrou em termos reais em apenas dois anos e consome, hoje, 72% da receita livre. Talvez a despesa de pessoal do primeiro trimestre esteja um pouco superestimada por conta dos pagamentos de dezembro feitos em janeiro. De qualquer forma, isso mostra que o Orçamento da União é uma ficção.

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