São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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Todo o poder ao beijo

MOACYR SCLIAR

A notícia de que uma comerciária tinha sido demitida por beijar o namorado na loja em que trabalhava logo se espalhou pelo país -e provocou comoção generalizada.
Muitas pessoas ficaram consternadas, entre elas uma senhora que estava no estabelecimento no exato momento do incidente, ou seja, da súbita manifestação de paixão. "Foi uma coisa tão bonita", disse ela às amigas, "mas tão bonita que eu tinha decidido fazer minhas compras só lá. Afinal, uma funcionária tão carinhosa só pode ser boa pessoa. Agora não boto mais os pés naquele lugar".
Mas as reações não se limitaram à consternação. Imediatamente formou-se um grupo -trabalhadores, profissionais liberais, intelectuais- decidido a lutar pela causa da jovem. Um manifesto foi divulgado pela imprensa, abaixo-assinados começaram a circular.
E o protesto se estendeu imediatamente a outros países. Ondas de paixão magoada percorreram o globo. Por toda a parte, enamorados protestavam; e, por toda a parte, o protesto ganhou as ruas, as associações, as manchetes de jornal. Julieta não pode mais beijar Romeu, dizia uma delas, e outra: Serão os namorados uma espécie em extinção?
O caso inspirou poemas, canções, peças de teatro. Um novo perfume, chamado Amor Frustrado, foi lançado com grande sucesso; aspirando seu melancólico odor as pessoas chegavam às lágrimas.
Façam o amor, não o comércio, era o slogan de um novo movimento de jovens, que invadia lojas para se beijar diante de espantados gerentes.
Um filósofo francês escreveu, às pressas, um volume de mais de 500 páginas, provando que há uma continuidade entre o ato de vender e o ato de beijar, ambos fazendo parte da grande área formada pelas trocas amorosas.
Em muitos países, medidas de proteção a apaixonados foram adotadas. Por exemplo, a criação do Dia do Beijo.
Empresas avançadas passaram a incluir a capacidade de beijar nos planos de controle de qualidade. Reproduções do famoso trabalho de Rodin, "O Beijo", circulavam aos milhões pelo mundo.
É claro que muitos não gostavam disto. Imoralidade, bradavam alguns. É o fim da civilização, gritavam outros.
Aos poucos, o assunto foi sendo esquecido. O comércio voltou a vender como sempre. Mas nem por isso os namorados deixaram de se beijar. Nas lojas ou fora delas.

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