São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Solo pobre favorece uvas da região de Bordeaux

ALCINO LEITE NETO
DO ENVIADO ESPECIAL À FRANÇA

Se tivesse um solo rico, hoje Bordeaux seria conhecida pelas suas maravilhosas alfaces.
Como sua terra é pobre, feita de seixos e cascalhos, tornou-se o vinhedo mais famoso do mundo.
As vinhas adoram este solo de pedregulhos, que formam sem querer uma irrigação natural privilegiada, e se esbaldam com a atmosfera suave do lugar, favorecida pela proximidade do Atlântico.
Em abril, quando a poda da primavera termina em Bordeaux, os galhos secos e enrugados nas plantações dos castelos parecem cruzes de um infinito campo santo.
Breve, as primeiras folhas darão o ar da graça, e então as frutas. Será tudo muito rápido, exceto a chegada do vinho à mesa, que levará dois anos em barris e mais alguns na garrafa.
Mas quem diz à mesa: "Um bordeaux", está escondendo uma parte da história.
Não há entre os 4.500 castelos, ou châteaux, viticultores da região do rio Gironde, um vinho sequer que se assemelhe ao outro.
Neste formigueiro de propriedades que tomou conta do lugar, os atributos próprios a cada solo e a combinação variada das uvas na preparação faz a singularidade inarredável de cada produto.
É a complicada geopolítica dos vinhedos, em disputa pela excelência de seus produtos, assegurada pelas famosas Apelações de Origem Controlada, que aparece nos rótulos.
Por algumas similaridades, os bordeaux costumam ser divididos em seis famílias, quatro de tintos e duas de brancos.
Entre os tintos, a de Médoc e Graves, a do distrito de Libourne, a de Bordeaux propriamente dito e as das "Côtes" (ou costas). Entre os brancos, a dos médio suaves e suaves, e a dos brancos secos.
A família dos Médoc e Graves abriga, por exemplo, as apelações de Médoc, Haut-Médoc, Graves, Saint-Estèphe, Pauillac, Saint-Jullien, Listrac, Moulis, Margaux e Pessac-Léognan.
Os vinhedos surgiram para a atualidade no fim do século 18, com o florescimento econômico da região de Bordeaux e o estabelecimento das propriedades viticultoras, ou "crus".
Mas foi só em 1855 que se fez a primeira classificação de qualidade dos vinhos. A lista, com leves modificações, prevalece até hoje e é uma espécie de lei, tutelada pelos que dela se beneficiaram, e execrada pelos que estão fora.
A classificação ocorreu por ocasião da Exposição Universal de Paris, para a qual o imperador Napoleão 3º convidou todos os fabricantes de vinho da França.
Encarregada de organizar a exibição, a Câmara de Comércio de Bordeaux solicitou aos mercadores de vinho que enviassem a ela uma "lista completa e exata de todos os tintos do Gironde", especificando em que classe estariam cada um dos "crus", classificados até o quinto lugar.
A lista com 58 castelos foi encaminhada, com a seguinte distribuição: quatro primeiros ("premier cru"), 12 segundos ("deuxième cru"), 14 terceiros ("troisième cru") e assim por diante.
Desde então, muita água correu pelo Gironde, mas a única revisão formal da lista foi feita em 1973, quando o barão Philippe de Rothschild postulou que seu Mouton fosse elevado ao primeiro posto.
Classificações dissidentes surgiram pela região. Mas é aquela, a velha listinha de 1855, que ainda assombra experts e comerciantes.

Texto Anterior: Os vinhos são como uma 'religião' no país
Próximo Texto: Vinícolas entram na era da informática
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.