São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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Pé de mexerica abraça árvore da prefeitura

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se você é uma pessoa distraída, tem grandes possibilidades na velhice de tornar-se um feliz possuidor de um pomar cuspido.
É isso mesmo. Há uns dez anos devem ter cuspido, com arte e jeitinho, uma semente de mexerica junto à árvore oficial da prefeitura, na frente da minha casa.
Só reparamos quando já era ela uma meninota esgalgada, crescendo abraçada à outra. Quase arranquei quando o Garden Club foi tomar chá lá em casa, mas aguentei firme.
Foi bom. Deu mexericas, lindas, redondas, um milagre, até que o jardinerio comeu de sobremesa, sem atinar que eram pomos de ouro, nascidos ao léu, ansiosamente pajeados, à espera do dia certo da colheita.
A rua inteira é um caminho de jogging com obstáculos cuspidos. Dez passos, uma pitanga; dois passos, alongamento, atrás das mais altas e maduras, que são privilégio dos "joggeis" da madrugada.
No tempo de amora, as roupas se sujam, os velhos de agasalho voltam para casa com cara de criança levada, mãos e bocas roxas. Sabemos de onde veio a primeira amoreira, frondosa, carregadinha. As filhas dela, não propriamente cuspidas, trazidas pelos passarinhos, passaram a fazer parte de todos os quintais dos distraídos.
Na minha infância, o que mais me impressionava eram as boninas de uma cidadezinha de interior onde passava as férias. Boninas brancas, cor de vinho, misturadas, traziam consigo lembranças fortes com seu cheiro de vaselina vagabunda, de perfume de terceira.
Estas também não foram cuspidas. Foi uma dificuldade aclimatá-las na civilização. Agora, escondo a cara com medo que alguém descubra que fui eu que as introduzi no bairro. São uma praga sem feitio, tomam conta de todos os canteiros, invadem os terrenos baldios lindamente floridas, mas sem o menor problema com a privacidade alheia.
O guaco também surgiu do nada e cobriu quase que a casa inteira. Dizem que guaco não tem cheiro, mas tem. Nas noites quentes, solta um bafo doce, caramelado, que por si só pode curar tosse, asma e mais o quê.
Minha mãe faz uma balinha de guaco. Primeiro, uma calda de açúcar. Aí joga dentro as folhinhas, uma a uma, que saem duras, em ponto de bala. Você fica chupando, chupando, e a tosse se vai, por milagre, pelo açúcar, ou talvez pelo guaco.
Ah! Nasceu debaixo de uma palmeirinha cotó um limoeiro, também cotó. Dá cerca de um limão por ano, esperadíssimo. E a limonada dele é uma preciosidade, com gosto do único e do difícil.
Taioba é mato, ninguém planta, e as folhas se multiplicam, apesar da colheita quase diária. São deliciosas, refogadinhas num esparregado português.
Agora, estamos na época da coisa mais fascinante, que é uma batata, do ar, cinzenta, com um brilho metálico estranho e formato de pata de elefante. Chama-se caraduá, o que se pode traduzir por cará do ar. No ano passado fizera seu "début", crescendo como hera ou vinha, surgindo pelos muros, pelas cercas, e dando aquele fruto E.T., que depois é cozido e comido com melado.
Os chuchus vão bem, obrigada. Não sabemos quem plantou, cuspidos não devem ter sido, estão grandes, verdes, de um verde escuro, diferentes dos chuchus de antigamente.
As pimentas ainda não apareceram, nem os tomatinhos. Estes são enorme fonte de prazer para os netos, que comem no pé mesmo. E as pimentas são deliciosas, pequeninas, é só colher e amassar no feijão. A refeição cobra vida e alegria.
No fim-de-semana resolvi tomar juízo e fui comprar ervas na Vila Maria. Podia ter ido aqui mesmo, no Itaim, mas o que eu queria ver era o viveiro. A dona do viveiro é Silvia Jeha, uma menina disposta, bonita, elegante, apaixonada pelas suas plantas. Que garota interessante!
Passa a mão de dedos compridos em cada mudinha que brota, suspeito que converse baixinho com elas, mas na minha frente não deu bandeira.
Comprei de tudo um pouco. Sálvia, manjericão roxo, salsa crespa, estragão, dill, cebolinha francesa, citronela e mais e mais e mais. Não consegui conter minha voracidade impulsiva e agora acho que vou ter que matar meu pomar cuspido para dar espaço às ervas plantadas de Silvia Jeha. Não vou ficar falando da menina, da moça ou da mulher, como queiram. Mas quero fazer propaganda explícita dela.
Telefonem, apareçam, comprem plantas, mel, travesseiros de macela, mudinhas de couve, beldroega. A beldroega dela era cuspida. Acontece nas melhores famílias.

LOJA BROOKLIN: av. Portugal, 1.599, tel. 011/536-3226
VIVEIRO VILA MARIA: r. Guaranésia, 89, tel. 011/955-9400

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