São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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"Stalingrado" mostra Segunda Guerra com olhar dos vencidos

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filme: Stalingrado - A Batalha Final
Direção: Joseph Vilsmaier
Elenco: Thomas Kretschmann, Dominique Horwitz, Jochen Nickel
Onde: em cartaz no Vitrine

Levou meio século, mas os alemães produziram um filme mostrando que eles também sofreram na Segunda Guerra -sem, é claro, deixar de mostrar alguma das atrocidades que costumam vir associadas àquele palavrão, "nazista".
"Stalingrado" -que no Brasil leva no título o ridículo e falso penduricalho "A Batalha Final"- não é um filme para ser analisado por cinéfilos, e sim por historiadores e sociólogos. É uma catarse, é um exorcismo, é uma manifestação típica de um país que carrega a consciência culpada de um continente e que não vai comemorar muito no próximo dia 8 de maio, quando o resto do mundo celebra os 50 anos do fim da guerra na Europa.
Quem viu outro recente filme europeu vai ficar espantado pelas semelhanças, e não só pelo título brasileiro igualmente falso e besta -"A Última Batalha da Indochina" (Diên Biên Phú, título original), dirigido por Pierre Schoendoerffer.
Na cidade russa de Stalingrado os alemães sofreram uma derrota brutal face ao Exército soviético. Em torno do vilarejo de Dien Bien Phu, no norte do Vietnã, os franceses foram igualmente arrasados pelos guerrilheiros vietnamitas.
São duas das batalhas mais simbólicas do século 20, o início da derrota do nazismo, em 1943, e o fim do sonho colonial francês, em 1954. Curiosamente, ambas viraram filmes depois da derrota política do grande inimigo nos dois casos, o comunismo, que deixou de dominar a Rússia e está cada vez mais capitalista no Vietnã.
A diferença entre os dois filmes é mais uma diferença de caráter nacional -esse termo vago- aplicado ao cinema. O filme francês é lento e arrastado, o alemão lembra um filme americano ao contrário, no qual os bonzinhos agora são os alemães. Mas os dois filmes europeus retratam a guerra com realismo, seja na lama e arame farpado de Dien Bien Phu, seja nas ruínas e na neve da cidade soviética.
A reconstituição do ambiente de Stalingrado foi espetacularmente bem-feita, principalmente a luta dentro da fábrica (três fábricas eram os pontos vitais para tomar a cidade). Os veteranos -os poucos que restam- que viram o filme devem ter se assustado com a fidelidade. Comparado com as fotos da época, "Stalingrado" é perfeito. O equipamento e uniformes utilizados, autênticos, devem agradar à minoria que se preocupa com essas coisas.
Esses dois filmes sobre as derrotas francesa e alemã têm o defeito, para o espectador brasileiro, da falta de didatismo. Qualquer alemão médio tem uma idéia do que representou a derrota em Stalingrado. Para o espectador do resto do mundo, o filme parece uma longa lista de sofrimentos em meio da neve ou de ruínas.
Stalingrado era um objetivo estratégico no avanço alemão sobre a União Soviética que ganhou um interesse simbólico pelo seu nome. O ditador alemão Adolf Hitler queria tomar a cidade com o nome de seu colega soviético Joseph Stálin. Obcecado pela idéia, não quis recuar quando os soviéticos conseguiram cercar o 6º Exército alemão na cidade. Ironicamente, a competente máquina de guerra alemã, criada por Hitler e companhia tinha como maior ponto frágil o próprio comando.
Como já é clichê nos filmes de guerra, este é centrado nas ações das pequenas unidades que de fato combatem -a companhia comandada por um capitão, com seus pelotões comandados por tenentes e seus grupos de combate comandados por sargentos.
O espectador acostumado a ver filmes americanos fica espantado ao ver esse "outro lado da colina". Cada soldado tem sua própria personalidade, ligeiramente pincelada, e o filme vai mostrando os sofrimentos de cada um.
Alguns tipos são notórios. Assim como o filme americano tem o "jovem cadete saído de West Point que não entende nada da guerra e precisa aprender com o sargento", o alemão tem o "jovem tenente de família prussiana com tradições militares que não entende nada da guerra e precisa aprender com o sargento".
"Stalingrado" é mais que isso, porém. É comparável não aos filmes americanos sobre a Segunda Guerra, mas sim com aqueles sobre o Vietnã, pois também se trata de uma visão de vencidos. Nesse sentido os alemães não têm as frescuras dos americanos. Há quase sempre um maniqueísmo infantil no pelotão americano, e toques de humor suavizam a brutalidade da guerra.
Se existe humor em "Stalingrado", é involuntário. O desespero é a norma, e a medida dele é fácil. Basta verificar no fim do filme quantos sobraram do pelotão inicial, e comparar com quantos costumam sobrar em um filme americano.

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