São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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Balé da Cidade faz tributo a Jobim sem o brilho da obra do compositor

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Espetáculo: De Repente, Não Mais que de Repente
Onde: Teatro Municipal (praça Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 011/222-8698)
Quando: hoje e domingo, às 17h; amanhã, às 20h30
Ingressos: de R$ 1 a R$ 5

O espetáculo "De Repente, Não Mais que de Repente...", que o Balé da Cidade de São Paulo estreou nesta semana no Teatro Municipal, carrega o peso da morte de Tom Jobim, cuja obra musical inspira a coreografia. Ao ressaltar o clima de tributo, o balé deixou de explorar mais intensamente o universo luminoso do compositor.
O lamento, contido em algumas cenas, é ressaltado principalmente pela iluminação, detalhe que deveria ser repensado. A boa idéia de utilizar o palco nu, livre de cenários, aumenta o papel do desenho e jogo de luzes, pouco resolvidos nesta primeira temporada.
O fundo do palco, sempre negro, instala uma atmosfera de noite eterna. Funciona em certos trechos, quando cadeiras espalhadas remetem a ambientes noturnos, como bares e boates. Mas rouba a perspectiva de horizonte infinito, de natureza e encantamento, também contida na obra de Tom.
Talvez a descontração predominasse, se Tom estivesse presente, como planejavam os idealizadores do espetáculo. A perda repentina e recente do compositor ampliou a responsabilidade do coreógrafo português Vasco Wellencamp, que, tudo indica, se sentiu compelido a apresentar uma obra capaz de corresponder a expectativas do momento.
Fiel a seu estilo neoclássico, Wellencamp deixa claro sua parceria com os bailarinos. Sem impor modelos fechados e receptivo à participação do elenco, Wellencamp faz uso das características inatas do dançarino brasileiro.
As sequências possuem a fluência que Wellencamp costuma imprimir a seus balés. Além de explorar todos os agrupamentos, entre duetos, trios, quartetos, o coreógrafo inclui belos solos, como o executado por Ivonice Satie, ao som de "Modinha".
O samba no pé, executado pelo bailarino que personifica Tom, faz do compositor um sambista e distorce sua imagem. Tais recursos literais poderiam dar lugar a nuances de movimentos que a obra de Tom despertaria num processo mais prolongado de criação coreográfica.
No conjunto, a coreografia transcorre com ritmo e dinâmica espacial. Procurando dialogar com a poética das músicas, Wellencamp trabalha os movimentos como uma sinfonia em que tudo soa em conjunto. Sem apelar para a representação teatral, faz da interdependência entre dança e música seu principal instrumento.
No entanto, o maior trunfo de "De Repente, Não Mais que de Repente..." é o elenco, pleno de qualidades. Além de coesão técnica e versatilidade, o grupo transmite alegria de dançar, desejo de estar no palco e dar o melhor de si.
Superando o intervalo fora de cena que a companhia enfrentou no final do ano passado, o Balé da Cidade volta com fôlego redobrado, provando que hoje é um dos melhores elencos de dança do país.

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