São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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Navegar é preciso

EMERSON KAPAZ

Toda boa âncora precisa ter duas qualidades: força para segurar bem o barco e desembaraço fácil que permita navegação. A taxa brasileira de juros de 60% a 80% ao ano, hoje a mais alta do mundo, preenche em excesso a primeira qualidade de uma âncora e, portanto, não consegue atender à segunda, o que poderá levar a estabilização econômica ao naufrágio.
A razão é simples e já aparece no aumento da inadimplência dos portadores de cartões de crédito e nas concordatas requeridas por empresas nas últimas semanas: não há quem aguente pagar esse nível de taxas para liquidar dívidas e levantar capital de giro. O que deveria ser uma desaceleração temporária para conter o consumo começa a se transformar numa marcha muito lenta que, se não for interrompida, conduzirá à recessão.
Ao contrário do que possa parecer, juros altos combinados com estabilização e baixa atividade econômica incentivam a volta da inflação em vez de mantê-la sob controle. Tivemos inúmeros exemplos nos últimos anos.
Os responsáveis pelos governos passados elevavam os juros na esperança de conter o consumo, apostando com isso na sobra de produção com consequente redução dos preços. Grande engano. Ao simples anúncio de elevação dos juros, os agentes econômicos reagem diminuindo a produção a fim de reduzir o estoque. Isso fatalmente achata a oferta e força a um aumento dos preços, o contrário do que se esperava.
Uma das soluções para tornar a âncora dos juros mais suportável sem que ela perca sua eficiência é atacar o problema pelo lado da oferta e não insistir em conter a demanda. Se houvesse possibilidade de os agentes econômicos aumentarem o volume de produtos oferecidos até satisfazer a demanda, não haveria espaço para os preços subirem. Até cairiam, como estamos presenciando com o comportamento dos preços dos grãos e derivados, devido à generosidade da última safra.
O aumento da oferta somente será possível se multiplicarmos linhas de crédito para investimento, a exemplo da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), existente hoje nos financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para tanto, o governo deveria urgentemente trabalhar em duas frentes: facilitar o acesso a créditos externos com custos compatíveis com esses empréstimos e criar incentivos para a formação de poupança de longo prazo. Isso multiplicaria os financiamentos de longa duração para atender à grande demanda hoje existente por novos investimentos.
É inegável que a equipe econômica tem procurado administrar a estabilização com o considerável arsenal a seu alcance. Ao mesmo tempo, cresce dentro do governo a convicção de que o desenvolvimento econômico não pode mais ser retardado. Sem esse desenvolvimento, não se cumprirão os compromissos assumidos na área social.
O momento, portanto, é o de compatibilizar o caminho já percorrido na estabilização da moeda com a necessidade de aumentar a atividade da economia e os investimentos produtivos.
No curtíssimo prazo, precisamos calibrar melhor os juros e multiplicar os financiamentos de longo prazo. Mas essa medida conjuntural ficará capenga se não for acompanhada por outras duas estruturais: a aceleração das reformas, especialmente a tributária, a previdenciária e a da administração federal, e o impulso ao programa de desestatização, aí incluídas privatizações e concessões de serviços públicos.
Visto que o jogo entre o Executivo e o Congresso se desenrola lentamente no campo das reformas, é necessária uma maior articulação com as entidades representativas dos segmentos produtivos e dos trabalhadores.
Um passo fundamental nesse sentido será dado com a apresentação da proposta de reforma tributária e de modernização das relações trabalhistas feita em documento conjunto subscrito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), CUT (Central Única dos Trabalhadores), CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), CEC (Centro de Estudos Constitucionais), Acorde (Ação Coordenada Empresarial), PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) e outras entidades de peso. A proposta será entregue no próximo dia 4 de maio, quinta-feira, ao presidente da República e aos presidentes da Câmara Federal e do Senado.
Pela primeira vez desde a última revisão constitucional, trabalhadores e empresários concordam com alguns princípios fundamentais para a concretização dessas reformas. Por exemplo, a desconstitucionalização da matéria tributária, preservando-se na Constituição os instrumentos de defesa dos contribuintes contra eventuais arbitrariedades tributárias dos governantes.
Outro: a necessidade de um novo sistema de relações trabalhistas formatado a partir de uma Câmara de Relações do Trabalho, da qual participariam entidades de trabalhadores, empresários, Executivo, Legislativo e Judiciário.
Toda proposta de obstaculizar reformas nesse sentido enfrentará a oposição desse conjunto expressivo de entidades. Portanto, pressões da sociedade civil organizada são bem-vindas para a causa da aceleração das reformas estruturais. O mínimo que o governo federal precisa fazer é juntar-se a esse tipo de articulação e estendê-la a seus próprios componentes, articulando melhor seus ministros e coordenando de maneira mais eficaz sua ação no Congresso Nacional.
Assim, a embarcação do desenvolvimento econômico poderá seguir viagem com instrumentos e âncoras que garantam uma navegação estável mesmo nas águas turbulentas que atravessamos.

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