São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995
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O governo inocente

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - "A propriedade privada tem uma hipoteca social." Isso foi dito por um conservador da dimensão do papa João Paulo 2º, insuspeito por seu passado e por seu presente de frequentar desvios socialistas ou esquerdistas.
Se em questões de doutrina religiosa sua figura tornou-se polêmica, o papel de protagonista no maior acontecimento deste final de século (o fim da União Soviética) foi reconhecido publicamente por Reagan e Gorbatchov.
A declaração é do início de seu pontificado, em Puebla, durante a segunda Conferência do Episcopado Latino-Americano (Celam), em 1979. Ele admitia a necessidade e até mesmo a excelência do capital. Mas gravava esse capital, em seu nascedouro, com uma dívida de ordem social. Que o dinheiro gerasse dinheiro -tudo bem-, mas antes pagasse a dívida contraída com a sociedade que produz o dinheiro, ou seja, o trabalho.
A idéia não chegava a ser nova, mas havia muito não era lembrada. Os campos ideológicos na época se engalfinhavam na polarização maniqueísta do capitalismo e socialismo, este na versão perversa do comunismo.
Pensei nisso quando li as folhas de anteontem. Manchetes internas lamentavam textualmente: "Novo mínimo custa caro para o governo". Aumentando o mínimo para um patamar escrachante, cinco vezes menor do que o vigente em 1950, o Estado reclama que a concessão retira boa parte da arrecadação.
Arrecadação que é dispersada -segundo outras manchetes- de edificantes maneiras: "Governo é acusado de pagamento irregular" (caso Esca), "Governo perdoa cacaueiros", "Governo continua desviando dinheiro do Fundo Social".
Nem os cacaueiros nem os sonegadores da Receita Federal e da Previdência são culpados de alguma coisa. O que vai atrapalhar a lua-de-mel neoliberal é o novo salário mínimo. Ainda bem que o ministro Pedro Malan colocou o dedo na ferida dizendo o que o governo pensa: a culpa é do Congresso e da opinião pública.

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