São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Sérgio Motta fez a cabeça de esquerdista

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1966, o núcleo da AP (Ação Popular) na Faculdade de Engenharia Industrial, em São Bernardo do Campo (SP), era dirigido por "Sérgio Gordo". Conseguiu cooptar o jovem Enio Bucchioni.
Quase 30 anos depois, "Sérgio Gordo" virou o ministro Sérgio Motta (Comunicações) e Bucchioni, transformado em militante trotskista, é professor do ensino oficial em Diadema (SP).
Bucchioni é um quadro típico da esquerda brasileira. De família classe média, estudou no Colégio São Luiz (um dos mais tradicionais de São Paulo), militou na AP e no PC do B (Partido Comunista do Brasil), fugiu para o exterior durante o regime militar, escapou da morte no Estádio Nacional, em Santiago, e voltou para dirigir um partido (hoje PSTU) que pretende fazer a revolução socialista.
A peculiaridade de Bucchioni está, principalmente, na persistência na militância. "Se Deus existir, estou no céu", brinca, ao explicar a insistência em transformar a vida numa sucessão de reuniões para planejar uma coisa cada dia mais distante.
Dúvidas
"Aprendi a viver com a contradição e administrar a dúvida", afirma, quando indagado se não se sente um pregador no deserto.
Em 1970, quando militava no PC do B, Bucchioni teve que deixar o país, embora vivesse legalmente. Sua mulher, sem qualquer participação ativa em grupos que lutavam contra o regime militar, atendera a um pedido "de um amigo do amigo do amigo", e guardara em casa parte do dinheiro arrecadado e das armas utilizadas em um assalto.
Perseguido pela polícia política, o casal escolheu, lógico, o Chile do presidente socialista Salvador Allende para morar. "Chegamos e não acreditamos quando vimos um garoto com uma camiseta com a foto do Chê Guevara. Aquilo era um paraíso para quem tinha fugido do Brasil", relata.
O início da conversão ao trotskismo ocorreu pelas mãos do crítico de arte Mário Pedrosa, intelectual que é uma referência histórica do movimento trotskista no Brasil. Pedrosa também estava exilado no Chile na época.
A adesão definitiva à corrente ocorreu no golpe que depôs Allende. "Esperei a reação do Partido Socialista e ela não veio", diz. Veio, sim, a prisão e o testemunho do assassinato do amigo brasileiro Túlio Quintiliano.
França e Portugal foram as etapas seguintes da militância de Bucchioni, já então um trotskista organizado. Voltou no dia da estréia do Brasil na Copa do Mundo de 78. "Sabia que não tinha polícia no aeroporto", declara.
Sérgio Motta
Bucchioni, um paulistano articulado, pai de três filhos e no terceiro casamento, não critica Sérgio Motta. "Ele é um cara brilhante, inteligentíssimo, só que a vida nos colocou em causas de classes diferentes", afirma, resvalando pelo jargão da esquerda.
Com um salário de R$ 640,00, Bucchioni enfrenta em casa a incompreensão pela opção pela pobreza. Com a filha mais velha, de 22 anos, nascida no exílio, tem o pacto de não falar de política.
Os filhos mais novos, de dez e cinco anos, não entendem como o pai, que já deu aulas de matemática em universidades estrangeiras, não consegue pagar o aluguel de um apartamento em São Paulo.
"Minha vida material é horrorosa, mas prefiro dar aula para a juventude a ensinar filhos da burguesia", insiste no discurso.
O isolamento político não existe, acha Bucchioni. "Nós não somos uma seita. Éramos oito no Chile e hoje somos 2.000", referindo-se ao início do grupo "Ponto de Partida", que posteriormente resultou na Convergência Socialista e, hoje, no Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.

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