São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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NA PONTA DO LÁPIS

MARCELO LEITE

Pode escolher: 1,8, 5, 2,4 ou 10, qualquer um dos valores em bilhões -de reais. Segundo a Folha afirmou, em diferentes reportagens e edições, esse é o rombo que seria aberto pela decisão do Congresso de suspender a TR (Taxa Referencial de juros) de financiamentos agrícolas no Banco do Brasil.
Os dois últimos números, R$ 2,4 bilhões e R$ 10 bilhões, foram apresentados pelo jornal no mesmo dia, 7 de abril. Só que em duas edições diferentes: na Nacional, concluída às 20h30, o "rombo potencial" era menor; três horas depois, fechada a edição São Paulo/DF, ele tinha quadruplicado.
Para tudo há uma explicação, claro. Entre uma edição e outra, técnicos do governo apareceram com um novo cálculo. Como seria de esperar, vários bilhões mais preocupante.
A cifra inchada foi questionada ao ombudsman, dias depois, pelo ruralista Pedro de Camargo Neto. Consultei a Redação e recebi resposta do editor de Economia, André Lahóz:
"Realmente, o suposto rombo de R$ 10 bilhões resultante da mudança na correção da dívida agrícola parece exagerado. No entanto, não há erro da Folha. Este número foi apenas um entre vários que circularam imediatamente após a derrubada do veto presidencial. A Folha registrou quem estimava um rombo daquela magnitude (...)."
Na mesma época, o jornal publicou entrevista com o segundo maior produtor de soja do Brasil, Blairo Maggi. Numa das perguntas, ventilava-se outra quantia, R$ 5 bilhões. Novo questionamento do ombudsman, nova resposta da Redação, da parte do editor do caderno Agrofolha, Bruno Blecher.
Segundo Blecher, o valor que usara provinha da assessoria econômica do Ministério da Agricultura. Afirmou que as estimativas do governo variavam de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões, "dependendo da retroatividade ou não da medida".
Sobre os R$ 2,5 bilhões mencionados pelo editor de Economia, disse que eram na realidade US$ 2,4 bilhões (atenção, dólares) e seriam "uma projeção do valor que o Tesouro Nacional teria de arcar para equalizar os preços mínimos".
Já desesperando de entender e conhecer com certeza o tamanho da conta com que, segundo os burocratas alarmistas, teria de arcar, o leitor-contribuinte foi presenteado com um novo valor, em reportagem publicada quinta-feira passada na pág. 1-7:
"Segundo (Murilo) Portugal, o Tesouro pode perder R$ 1,8 bilhão caso seja mantida a derrubada da TR da correção dos financiamentos agrícolas".
Nova observação na crítica interna -desta feita, irônica- sobre a queda sucessiva do rombo. Àquela altura, nada mais seria capaz de restaurar a confiança de que o poder público, e por extensão a imprensa, algum dia comece a tratar seriamente de informações com as quais diz decidir o futuro do país.

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