São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Projeto anticrime organizado é falho, dizem especialistas

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Congresso Nacional enviou para sanção presidencial projeto que institui meios especiais de investigação nos processos que tratem de crime organizado. Embora o combate ao crime organizado seja uma preocupação constante da sociedade, a proposta aprovada pelo Legislativo tem recebido críticas de todos os lados.
"É tecnicamente falha, e deve ser totalmente vetada", diz o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado de São Paulo.
"O projeto é tímido e mal elaborado", afirma o desembargador Celso Limongi, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
"Não tem como ir adiante. A proposta é inconstitucional", garante Antonio Tomás Bentivoglio, promotor de Justiça em São Paulo. "Por exemplo, fala em interceptação e escuta telefônicas, mas não diz como, nem em que condições. Isso não vale nada", acrescenta o procurador Carlos Eduardo de Athayde Buono.
A Constituição admite a escuta telefônica, mas o Supremo Tribunal Federal proíbe a escuta como prova até que seja regulamentada.
Faltam ao projeto medidas como a apreensão de bens dos criminosos, convênios de cooperação internacional, a regulamentação da escuta telefônica, e a tipificação do crime de "lavagem de dinheiro ilícito", entre outras.
O projeto prevê a infiltração de agentes da polícia em quadrilhas ou bandos, como forma de investigação e meio de obter provas.
Possibilita também o retardamento do flagrante, chamado no texto de "ação controlada", para que ele se concretize no momento mais eficaz. Por exemplo, a polícia pode segurar o flagrante até chegar aos chefes da organização.
"São medidas fadadas ao fracasso", diz Toron. Ele explica que, normalmente, o novato, para ser admitido no bando, deve praticar um crime. O texto garante a não punição pelo crime de bando, mas o policial infiltrado terá de responder pelos crimes que for obrigado a cometer enquanto participar da quadrilha. "Não haverá ninguém disposto a isso."
Quanto ao retardamento do flagrante, Toron afirma que, sem controle do juiz, abre um terreno fértil para a corrupção. Além disso, argumenta, se o policial for acusado de omissão poderá argumentar que esperava o melhor momento para agir.
"Esse tipo de medida só é viável com uma polícia bem treinada, bem remunerada e bem aparelhada", avalia Limongi.
A delação premiada, que beneficia o delator que ajudar no esclarecimento de um crime com a redução de um a dois terços da pena, foi considerada inócua.
Ela já está prevista na Lei dos Crimes Hediondos (de 25 de julho de 1990), e até agora não houve nenhum caso de delação. A lei não dá ao delator nenhuma proteção especial, e ele vai para a cadeia cumprir pena junto com os que denunciou. "A represália é certa", adverte o desembargador Limongi.
A determinação de o juiz fazer, pessoalmente, a investigação, sem a intervenção de qualquer funcionário, e conservar em segredo os registros da prova encontrada, também foi duramente criticada.
"Não é função do juiz colher provas", afirma Toron. "Ou o juiz julga ou investiga", diz Limongi. A prisão preventiva poderá estender-se por até 180 dias. Hoje ela não pode ultrapassar 81 dias, embora a jurisprudência tolere prazos mais amplos.

Texto Anterior: PROGRAMA DE MILIONÁRIO
Próximo Texto: O QUE DIZ O PROJETO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.