São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Direito mundial continua a reboque do crime

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Chacina, sequestro, refém, bomba, gás tóxico, terrorismo por um lado. Por outro, corrupção, sonegação, peculato, contrabando. E, ainda, droga, "crack", cola, tráfico.
Que outras palavras foram mais frequentes nas manchetes dos jornais e no noticiário do rádio e da televisão, nesta semana? Só me lembro de uma, a qual, entretanto, embora pouco lida ou pronunciada, está na consciência do povo: impunidade.
Será um erro imperdoável raciocinar sobre os problemas jurídicos relacionados com esses vocábulos apenas em termos de Brasil. O crescimento da criminalidade é universal. Atinge países ricos e pobres. Exclui poucos, tendo em vista condições peculiares. Nós não temos informação sobre todos, porque a mídia internacional privilegia certas nações e só trata de outras quando abaladas por tragédias de grande porte. Mas, acredite o leitor: o fenômeno é planetário.
Na maior parte dos países tem triunfado a corrente que apela por penas mais longas, até a prisão perpétua ou a pena de morte, por liberdade maior dos órgãos de acusação, por sacrifícios impostos aos direitos de defesa. Os resultados visíveis são os mesmos de séculos atrás: muitos inocentes são sacrificados, muitos verdadeiros culpados não são atingidos, e, ao fim, a criminalidade continua.
Referi séculos, de propósito. Na Inglaterra, numa certa época, resolveu-se que os batedores de carteira seriam condenados a terem a mão decepada em praça pública. O terror da pena terminou prejudicado: aumentava o número de carteiras batidas quando grandes multidões se reuniam para ver o carrasco decepar a mão do condenado.
Tem-se discutido no mundo sobre a dosimetria (dosagem adequada da pena), conforme o tipo de delito: contra a pessoa (violência física e moral), o patrimônio, a administração pública (pelo funcionário e por particulares), contra a família e assim por diante. As divergências entre os estudiosos variam de país a país.
No Código Penal brasileiro (cuja parte especial tem mais de 50 anos) os delitos contra o patrimônio recebem penas mais pesadas. Dou um exemplo. O sequestro (hoje considerado crime hediondo, com pena agravada) era punido com reclusão de um a três anos. Só passava de dois a oito anos de resultasse em grave sofrimento físico ou moral da vítima. No furto simples (sem violência) a pena máxima era e é de quatro anos, que chega a oito, se houver destruição da coisa, uso de chave falsa, abuso de confiança ou prática por duas ou mais pessoas.
O exemplo mostra que a dosimetria deve ser rediscutida, no Brasil e no mundo. Todavia, a discussão passará longe da essência do problema, situada nas más condições de vida de grande parte do povo e no desenraizamento das migrações internas, em conjunto com a comunicação instantânea e globalizada, que atinge populações despreparadas, cuja avaliação dos fatos chega à patologia da distorção.
A impunidade compromete a qualidade do combate ao crime. Ela, porém, decorre de deficiências do aparelhamento estatal, o que integra o terceiro tema essencial: o Estado Moderno perdeu condições de funcionar eficientemente e de resolver as distorções sociais geradas na segunda metade do século 20.
Não sou pessimista, mas a decantação das dificuldades e dos desencontros tomará muito tempo. Acontecerá naturalmente e em nível mundial. É impossível apressá-la. Quando a decantação terminar, retornaremos a formas de normalidade. Não antes.

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