São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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O dólar fraco e o G-7 tenso

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Os ministros das Finanças dos países do G-7 se reuniram na última semana, antes da reunião anual do FMI. O assunto que comandou as discussões, em um ambiente tenso, foi o enfraquecimento do dólar e o desbalanceamento da ordem monetária internacional.
Somente neste ano, o dólar caiu cerca de 20% em relação ao iene e 10% em relação ao marco. Há uma sensação de que os mercados deprimiram muito o preço do dólar.
Seja como for, a pressão no curto prazo é para novas quedas no dólar. Mais para o final do verão (no Norte) o dólar deve subir, pois está muito barato ("ultrapassou" seu valor de equilíbrio).
Os ministros da Fazenda da Alemanha, França e Japão expressaram seu desagrado com o dólar fraco, pois o governo americano não vem fazendo intervenções de apoio à sua moeda.
O iene e o marco fortes implicam perdas de mercados externos e aumento das importações. Com isto, a frágil recuperação japonesa perdeu fôlego. O Japão não cresce mais que 1,5% em 1995.
A irritação de Tóquio vem daí e do fato que a queda do dólar causa uma perda de capital para os investidores japoneses em papéis americanos (como se diz na literatura cambial, a desvalorização de uma moeda-reserva é um calote sobre o público externo).
Deve-se entender que algumas mudanças importantes estão ocorrendo na ordem monetária internacional. Tudo indica que as tensões deverão aumentar nos próximos anos (embora estejamos longe de uma "crise do capitalismo").
Fala-se, ignorando a história, que a desordem monetária no mundo decorre da existência de grandes fluxos de capital. É errado. No final do século 19, os fluxos de capital foram proporcionalmente maiores do que hoje. Eram de longo prazo e houve ordem.
Entre 1870 e 1914, a Inglaterra gerou superávits em conta corrente de 5% do seu PIB e a França e a Alemanha, outros 3% cada. Estes superávits eram reciclados, via saídas pela conta de capital.
De 1870 a 1910 houve grandes investimentos estrangeiros nas fronteiras de crescimento. EUA, Argentina, Austrália e Canadá captaram a maior parte dos fluxos.
Como a Inglaterra era o centro do sistema e principal país credor, queria a estabilidade da libra (vindo daí sua diplomacia "forte" para a adoção do padrão-ouro).
Hoje temos um sistema monetário fiduciário. A moeda-base deste sistema é o dólar e nada ameaça esta posição no curto prazo.
A ordem monetária internacional deve cumprir dois ou três papéis. Permitir que os pagamentos internacionais sejam feitos ordenadamente, propiciar um meio para manter reservas internacionais e provir aumento da liquidez compatível com o crescimento das transações internacionais.
Para ter credibilidade, o sistema deve estabelecer regras claras para a emissão de moeda. E para ser duradouro, o arranjo precisa conter normas de como os desajustes podem ser consertados. Idealmente, estas devem ser normas simétricas que coobriguem os países deficitários e os superavitários a evitar desajustes.
Não é isto o que ocorre hoje. O sistema atual incentiva todos a serem superavitários e o ajuste fica para quem é deficitário.
Assim, o Japão pede que os Estados Unidos -deficitário- se ajustem: reduzam o déficit orçamentário do governo e o déficit na conta corrente. Ou que aumentem a taxa de juros para evitar novas quedas do dólar no curto prazo.
Mas os EUA têm adotado uma negligência distraída ante os movimentos do dólar (a imprensa fala em "benign neglect"...).
Para entender esta postura é preciso lembrar que os Estados Unidos se tornaram o principal devedor mundial nos últimos anos. Têm tido déficits em conta corrente de 3% do PIB (média de 1982 a 1994). Mas deve em dólares.
Para um devedor em dólares, a perda de valor da moeda significa menos esforço para gerar exportações e pagar sua dívida, cujo valor em ienes e marcos ficou menor.
O Japão também é co-responsável pela situação atual. Reforçou a orientação de sua economia, após a crise do petróleo, para que gerasse superávits enormes em conta corrente. Será que pensou que ficaria acumulando reservas e mais reservas e nada se passaria?
A tensão não decorre muito do fato de que parte dos poupadores japoneses perde com a queda do dólar (o sistema de lá "aquieta" estas queixas). A apreensão vem da consciência de que o Japão precisará reorientar sua estrutura econômica para demandas internas.
Isto envolve trocar o zênite mobilizador da reconstrução japonesa. Poupar, reconstruir e exportar foram as palavras que induziram a população a grandes esforços. E agora? Trocar pelo quê?
No Brasil, poucos acompanham esta discussão. Salvo o professor Kafka, de Washington; Delfim, de São Paulo; e poucos na academia; os termos básicos desta enquadratura escapam do Planalto.

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